1. A discordância é um exercício meritório, um direito irrebatível e pode ser até uma obrigação indeclinável.
Mas ela não pode contender com o reconhecimento da realidade. Exemplo: podemos não gostar do branco, mas não podemos deixar de reconhecer que o branco é branco.
2. Não é crime discordar do que Isabel Jonet diz. Mas é impossível não reconhecer o que Isabel Jonet faz.
Ela pode não ter dito muito bem. Mas tem feito muito e bem.
E isso é o que importa. E é o que mais depõe em seu favor.
3. E, já agora, quanto ao que ela disse, nem sequer vejo razão para tanta celeuma.
Tudo se resume a isto: temos de aprender a viver na adversidade. Já S. Paulo o disse aos filipenses (4, 12): «Sei viver na riqueza e sei viver na pobreza».
Mas não é isso que já estamos a fazer? Não sentimos que estamos a aprender a viver nesta situação difícil?
4. E, depois, é assim tão mau fazer caridade? Que seria de tantos sem a caridade de tantos?
É claro que a caridade não pode ser uma forma de humilhar os outros, de mostrar superioridade sobre a vida dos outros.
É verdade que a caridade não dispensa a justiça.
E, acima de tudo, é importante perceber que a caridade não pode ser o pretexto para que tudo continue na mesma. Mas, em si mesma, a caridade é uma forma de amor.
5. Aliás, um dos efeitos mais nefastos que esta crise pode revelar é o que já está a acontecer: colocar as vítimas da crise umas contra as outras.
É uma armadilha que alguém, astutamente, congeminou e na qual, pouco subtilmente, estamos a cair. As críticas a Isabel Jonet e aos que recebem alguns apoios sociais relevam desta cedência.
6. Volto a insistir: a crítica é legítima, mas, nesta altura, a unidade é (mais) necessária.
Este é o momento de unir esforços e juntar vozes. Este não é o tempo de desperdiçar energias.
O alvo dos pobres não podem ser os outros pobres. Nem, muito menos, aqueles que estão ao lado dos mais pobres.
7. A própria Igreja, que neste campo já faz muito, pode (e deve) fazer muito mais. Pode (e deve) intervir, falar, anunciar e denunciar. A acção é importante, mas, nesta fase, a palavra pode ser decisiva.
8. É preciso que a Igreja não pareça «eclesiocentrada» nem apareça «eclesio-sentada». A Igreja tem de estar sempre «teocentrada» e «antropocentrada», centrada em Deus e no Homem.
Ela tem de estar cada vez mais ao lado dos pobres e dos que estão, aceleradamente, a empobrecer. É para isso que ela está no mundo. Foi para isso que Jesus Cristo veio à terra!
9. A crise desvela o que, muitas vezes, tende a estar velado: nem tudo é linear. O aumento da receita não tem de vir apenas (nem principalmente) dos impostos. E, mesmo quanto a estes, não é curial que sejam sempre os mesmos a sofrer o peso da factura.
O pensamento linear, segundo o qual não há alternativas, não traz grandes benefícios. Já está gasto, falido.
10. Temos de reaprender o pensamento complexo. Temos de reaprender a ligar os conhecimentos, a ligar os contributos e (sobretudo) a ligar as pessoas.
Era bom que houvesse muita gente como Isabel Jonet. E, graças a Deus, até há!