O acontecimento de Deus nos acontecimentos dos homens. A atmosfera é sempre alimentada por uma surpreendente Theosfera.

Domingo, 15 de Outubro de 2017

A. A única «guerra» que vale a pena travar

  1. Dolorosa não é só a fome de muitos; é também — e bastante — o contraste com a opulência de tantos. De facto e como notou Eduardo Lourenço, o drama da fome «coexiste com o espectáculo de uma civilização aparentemente dotada de todos os meios, de todos os poderes para a abolir». Não dá para acreditar, mas importa saber que as 85 pessoas mais ricas do mundo possuem tanto como cerca de 3 mil milhões de pessoas do mesmo mundo. Ou seja, poucos com tanto e tantos com tão pouco!

Será que não podemos eliminar a fome ou será que não queremos eliminar a fome? Será que já reparamos na súbita emergência de um novo continente — o «continente da fome» —, que consegue até a assustadora proeza de ser mais populoso que a Oceania, a África e a América Latina?

 

  1. O trágico é notar como muita gente tem mais acesso ao armamento do que ao pão. Com efeito, nunca vimos ninguém a mendigar armas. Estas parecem estar ao alcance de todos. Mas as pessoas continuam a estender a mão para mendigar pão! É caso para dizer — para gritar — aos partidários da guerra: «Se querem lutar, lutem contra a fome»!

Este é um dos poucos «adversários» que vale a pena enfrentar, um dos raros «inimigos» que vale a pena combater e a única «guerra» que vale a pena travar. Aliás, a vitória nesta «guerra» não acarreta baixas nem danos colaterais: todos são vencedores, ninguém sai a perder. Habitualmente, os inimigos dos povos são outros povos. Nestas guerras, todos perdem, até os que (presuntivamente) ganham.

 

B. Quem olha para o «Cristo faminto»?

 

3. Os povos e as pessoas não deviam ter inimigos. Todos os povos e todas as pessoas deviam unir-se contra os reais inimigos da humanidade. Que inimigos são esses? São principalmente quatro: a doença, a ignorância, a violência e a fome. A «guerra» contra a doença é crucial. A «guerra» contra a ignorância é determinante. A «guerra» contra a violência é decisiva. E a «guerra» contra a fome é urgente.

Enquanto não vencermos estas quatro «guerras», não teremos paz e arriscamo-nos a nem sequer ter vida. Se, como disse o Papa Paulo VI, o clamor dos povos da fome chegou até Deus, como é que pode não chegar até nós?

 

  1. Não esqueçamos que Cristo também está presente no irmão que passa fome. Tantas vezes, o Cristo faminto é um Cristo ignorado. Tantas vezes Ele passa por nós e nós nem sequer reparamos. Mas, um dia, esse mesmo Cristo faminto poderá dizer-nos: «Tive fome e não Me destes de comer» (Mt 25, 42). É que «tudo o que não fizestes ao mais pequeno dos Meus irmãos foi a Mim que o deixaste de fazer» (Mt 25, 45).

Daí que São João Crisóstomo dirija um apelo a cada um de nós: «Enquanto adornas o templo, não esqueças o teu irmão que sofre, porque este templo é mais precioso que o outro». Se alguém quiser honrar a Cristo, «não permita que Ele seja desprezado nos Seus membros, isto é, nos pobres», nos que passam fome. Afinal, «de que serviria adornar a mesa de Cristo com vasos de ouro se Ele morre de fome na pessoa dos pobres?». É assim que se compreende que, numa visita que fez ao Peru, São João Paulo II tenha atordoado a humanidade com uma exclamação interpelante: «Fome de Deus sempre! Fome de pão nunca!»

 

C. Deus convida-nos para um «banquete»

 

5. Deus também é pão. Deus também Se faz pão. Os textos que escutámos neste Domingo são atravessados por um convite. Deus convida-nos para uma refeição, para um banquete «com manjares suculentos, um banquete com excelentes vinhos, comidas de boa gordura e vinhos puríssimos» (Is 25, 6).

Durante tal banquete, Deus vai «retirar o luto» (Is 25, 7) e «destruir a morte» (Is 25, 8). Vai, por isso, «enxugar todas as lágrimas» (Is 25, 8) e acabar com «a vergonha do Seu povo» (Is 25, 8). Tudo isto acontecerá nos tempos últimos, inaugurados por Jesus Cristo. Ele é o Último, o Definitivo e o Perene. Ele é o eco de todos os nossos anseios e o horizonte de todos os nossos caminhos.

 

  1. O Evangelho garante que «o banquete está pronto» (Mt 22, 8). De facto, é em Jesus Cristo que Deus Se faz pão. Cristo é pão para que ninguém tenha mais fome de pão. Quem come deste pão, vive e vivifica. Ou seja, alimenta-se para alimentar os outros.

Aliás, é esse o mandato do próprio Jesus: «Dai-lhes vós de comer» (Lc 9, 13). Por conseguinte, somos nós que temos de dar o pão. E que pão? Toda a espécie de pão: o pão que vem da terra e o pão que vem do Céu (cf. Jo 6, 32).

 

D. O Pão da Vida e o pão para cada dia

 

7. O pão que vem do Céu é Jesus Cristo. É Ele o Pão da Vida (cf. Jo 6, 35). É por isso que o homem não vive só do pão que vem da terra (cf. Mt 4, 4). Assim sendo, o pão que somos chamados a distribuir é sobretudo Cristo. Cristo alimenta-nos na mesa da Palavra e na mesa da Eucaristia. É pela Palavra que o pão da terra se transforma no Corpo de Cristo (cf. 1Cor 11, 23). A Eucaristia é uma refeição servida em duas mesas: na Mesa da Palavra e na Mesa do Pão.

Quanto mais nos alimentarmos com o Pão da Palavra e da Eucaristia, tanto melhor alimentaremos os outros com o pão de cada dia. É por este motivo que a Missa não tem fim. Termina a Missa, começa a Missão. E a Missão consiste, basicamente, na distribuição do Pão: do Pão que vem de Deus e do pão que vem da terra pela graça de Deus.

 

  1. Deus está sempre a convidar. Mas há quem recuse, há quem não queira vir (cf. Mt, 22, 3). São muitos os que vêm, mas continuam a ser muitos mais os que não querem vir. Eis, pois, um compromisso para todos nós: fazer eco do divino convite. Vamos convidar outros (em casa, na escola, na rua, no trabalho e até no café) para virem no próximo Domingo. E se os que estão perto persistirem em não vir, convidemos os que estão longe, nas periferias, os que se encontram nas «encruzilhadas dos caminhos» (Mt 22, 9).

A Igreja é para todos, embora não seja para tudo. Quando o banquete se inicia, o rei apercebe-se de que um convidado «não vestira o traje de cerimónia» (Mt 22, 11). O traje é essencial. É o que se coloca por cima de nós, é o que nos reveste e que, nessa medida, nos identifica.

 

E. Cristo é Pão para todos

 

  1. As pessoas, quando nos vêem, olham para aquilo que vestimos. Que traje devemos trazer, então, para este banquete que é a Eucaristia? Só pode ser o traje de uma vida nova, de uma vida transformada. Não se pode ir para um banquete com o traje habitual. Isto é, não se pode ir para o sacramento da vida nova com a vida que se tem. É preciso mudar de vida. É por isso que a Eucaristia começa com a confissão. É por isso que nos devemos confessar com frequência. A graça de Deus é a vida nova, a vida renovada.

Deus não falta nem nos falta. Aliás, foi o que reconhecemos no Salmo Responsorial: «O Senhor é meu pastor, nada me falta» (Sal 22, 1). N’Ele encontramos o que precisamos e o que desejamos. Sem Ele, nada; com Ele, tudo. São Paulo o atesta com grande ênfase: «Tudo posso em Cristo que me dá força» (Fil 4, 13).

 

  1. Em Cristo, estamos à espera do melhor e sentimo-nos preparados para enfrentar o pior. Em Cristo, sabemos viver na abundância e saberemos viver na pobreza (cf. Fil 4, 12). Em Cristo, conseguimos viver modestamente na prosperidade e não deixaremos de viver dignamente na penúria. É que, em Cristo, somos capazes de relativizar os bens em função do bem que é contribuir para o bem dos outros.

Em Cristo, nunca descansaremos enquanto alguém passar fome. Cristo é pão para todos. Sejamos nós os distribuidores de pão junto de todos. Se todos tiverem fome de Deus, ninguém terá fome de pão!

 

publicado por Theosfera às 05:34

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