Nos últimos dias, reacendeu-se certamente em nós uma inquietação que nos acompanha desde há muito.
Que andamos a fazer? Que andamos a fazer ao homem e que andamos a fazer a Deus?
Não penso só no que aconteceu em Paris. Penso também — e bastante — no muito que aconteceu antes de Paris e no muito que está a acontecer depois de Paris.
Em Paris, foram mortas quase duas dezenas de pessoas. Antes de Paris e depois de Paris, foram mortas dezenas, centenas e até milhares de pessoas.
Nem as crianças são poupadas. Até as crianças são mortas e até as crianças são obrigadas a matar.
Quem se preocupa com o que se está a passar na Nigéria, no Iémen, no Paquistão, enfim nesta nossa aldeia que se chama mundo?
Quem se levanta em nome de tantos cristãos que são assassinados só por serem cristãos?
Quem ergue a voz em nome de tantas crianças que são chacinadas só por andarem na escola?
Como é possível que seres humanos sejam tão pouco humanos? Como é possível que seres humanos sejam tão desumanos?
E como é possível que esta desumanidade seja promovida em nome de Deus?
Temos de perceber que, além dos que vivem sem Deus, há muitos que, como notou Hans Urs von Balthasar, teimam em viver de costas voltadas para Deus.
Deus não é o que, muitas vezes, pensamos d'Ele.
Deixemos que Deus seja Deus. Façamos como Samuel e digamos: «Falai, Senhor, que o Vosso servo escuta»(1 Sam 3, 9).
Deixemos que Deus fale. E, como os primeiros discípulos, procuremos entrar na habitação de Deus, na Sua intimidade.
Notaremos que Deus é muito diferente daquilo que dizemos sobre Ele.
Não olhemos só para Deus a partir de nós. Olhemos para nós a partir de Deus, à luz de Deus.
Em suma, não distorçamos a divindade de Deus. E não desistamos de melhorar a humanidade dos homens!