- No início, parecia de todo impossível. Depois, afigurava-se altamente improvável. Com o passar do tempo, admitia-se que, embora remotamente, até podia acontecer. Finalmente, acabou por se concretizar.
Donald Trum tornou-se Presidente dos Estados Unidos.
2 Costumamos dizer que os Estados Unidos conhecem mal o mundo. Mas será que o mundo conhece bem os Estados Unidos?
Comparando as eleições de 2016 com as de 2012, chega-se à conclusão de que ganhou quem menos perdeu.
- De facto, o republicano vencedor deste ano teve menos um milhão de votos que o republicano derrotado de há quatro anos: 59 450 907 em 2016 «versus» 60.932.235 em 2012.
Acontece que a democrata derrotada deste ano teve menos seis milhões de votos que o democrata vencedor de há quatro anos: 59 656 630 em 2016 «versus» 65.917.257 em 2012. O que decidiu as eleições é que quem venceu perdeu menos que quem perdeu. O que impressiona, porém, é que ambos perderam.
- O que avulta é sobretudo o que as pessoas não querem. As pessoas não se revêem no sistema político, económico, social e até mediático. Foi Donald Trump quem capitalizou melhor esta rejeição.
Ele ganhou sem o apoio das principais televisões. Ganhou sem o apoio de 200 jornais, que declararam estar ao lado da outra candidatura. Ganhou sem o apoio dos actores e dos artistas. Ganhou até sem o apoio de muitas figuras do seu próprio partido.
- De tudo isto ficou claro aquilo que as pessoas não querem. Aliás, tendo em conta o que se passa nas ruas, até já há muitos que também não querem quem o eleitorado quis.
Se olharmos para as eleições, sabemos que Donald Trump foi o escolhido. Mas, se olharmos para as manifestações, até parece que o mesmo Donald Trump é profundamente rejeitado. Caso para perguntar: o que quer quem não quer? Será possível re+unir o que parece tão desunido?
- Daniel Innerarity é, talvez, umas das poucas pessoas que consegue oferecer-nos um guião iluminador no meio de tanta perplexidade.
O problema é que, segundo aquele perito em Filosofia Política, hoje há pouca vontade de aprender.
- Salta à vista que, nos Estados Unidos, há muita coisa que não percebemos. Os progressistas não estão contentes. Mas há conservadores que também não revelam grande entusiasmo.
Não sabemos se esta votação anti-sistema foi feita em prol da mudança ou em nome da resistência à mudança. O mais provável é que a votação em Trump seja um caleidoscópio onde cabem coisas muito diferentes, quiçá contraditórias.
- Em qualquer caso e como avisa o mesmo Innerarity, a indignação, apesar de pertinente, não é suficiente. O problema da cultura da indignação é semelhante, «mutatis mutandis», à quimioterapia: ataca o que está mal, mas também atinge o que pode estar bem.
O objectivo é que a situação melhore. Só que, às vezes, fica pior. Não basta, pois, saber o que não queremos. É fundamental saber o que pretendemos e para onde desejamos caminhar.
- Outro dado que emerge das eleições dos Estados Unidos é a aparente perda de influência da comunicação social. Empiricamente, não há volta a dar: quem a comunicação social mais apoiou foi quem mais perdeu.
É um fenómeno que merece ser estudado. Porque não sei se estamos perante uma perda de influência ou se não estaremos diante de uma deslocação do padrão de influência.
- Os últimos tempos têm mostrado que o entretenimento cativa mais que a informação. E o espectáculotem gerado maiores audiências que a opinião. A prova é que os próprios actores políticos já não se dispensam de participar em programas de humor e até em «realitys shows».
Acresce, por outro lado, que o campo de intervenção da comunicação social está a deslocar-se dos espaços tradicionais para as redes sociais. Sucede que esta deslocação não é necessariamente positiva. É, todavia, a realidade com que temos de contar.
- O cidadão tem de estar alerta e a comunicação social também devia estar (mais) atenta. Às vezes, aflige-me uma certa «pansofia» que perpassa pelos operadores mediáticos. Parece que sabem tudo, distribuindo críticas por todos, mas não aceitando sugestões de praticamente ninguém.
Só que há momentos que mostram que a comunicação social também é limitada. Daí que não lhe fizesse mal descer do pedestal de uma certa sobranceria.
- Quanto ao recém-eleito Presidente, um desejo, emoldurado pela esperança.
Que o percurso a partir de agora seja melhor do que indiciam alguns discursos feitos até agora!