1. Parece que foi ontem e já vai fazer vinte e cinco anos. O muro que se afigurava inderrubável afinal desmoronou-se.
O poder da vontade finalmente levou a melhor sobre a vontade de poder.
Naquele dia 9 de Novembro de 1989, sentimo-nos todos, uma vez mais, berlinenses.
Não era apenas um povo, o alemão, que se reunificava. Eram civilizações, desavindas, que se reaproximavam. Eram sonhos, distantes, que se materializavam.
O futuro estava ali. Tinha-nos visitado e mostrara vontade de ficar. Se o fim da História é a reconciliação e a paz, a História dava a impressão de ter encontrado o seu fim: o seu fim sonhado, o seu fim chorado, o seu fim sofrido, o seu fim conseguido e celebrado…
Mas, ao contrário do que pensavam muitos como Francis Fukuyama, o fim da História não se decreta em momentos de deslumbramento.
Depressa nos apercebemos de que a queda do muro constituiu uma realidade que não foi totalmente integrada e um sinal que não foi plenamente acolhido.
O muro caiu no exterior. Mas rapidamente outros muros se ergueram no interior: no interior da humanidade, no interior dos povos, no interior das comunidades, no interior das famílias, no interior das pessoas.
O adversário, quiçá o inimigo, já não é apenas o outro país. É, muitas vezes, a outra pessoa.
Se repararmos, os noticiários inundam-nos tanto com a pequena criminalidade como com os grandes conflitos.
O homicídio do vizinho (e, não raramente, do próprio familiar) ocupa tanto espaço como os ataques no Iraque ou os atentados no Paquistão.
2. O mundo está diferente e, por estranho que pareça, está também mais indiferente.
Há um muro crescente — e cada vez menos invisível — entre as pessoas, entre cada pessoa e o resto da sociedade, entre cada pessoa e o resto da humanidade.
Que elos de ligação subsistem? Que projectos comuns se mantêm?
Sem nos apercebermos, fomo-nos habituando a olhar para o outro como aquele que nos pode passar à frente na escola, como aquele que pode ficar com o nosso emprego, como aquele que pode remover-nos do nosso lugar, da nossa posição.
Como escreve Daniel Innerarity, «o estudo da sociedade dá-nos, hoje, a imagem de um campo desestruturado».
A sociedade está a deixar de ser uma agregação de pessoas que interagem para passar a ser, cada vez mais, uma federação de interesses que conflituam e, inevitavelmente, colidem.
O que há de comum não é um pensamento, um projecto ou um ideal, mas a exclusão, o risco e a simulação. Para Daniel Innerarity, «a centralidade destas dimensões ainda não converteu a sociedade numa coisa irreal, embora o pareça, mas impõe-nos a necessidade de modificar o nosso conceito de realidade».
3. Mudar sempre foi uma necessidade e impõe-se, crescentemente, como uma urgência.
Também este mês faz sete anos que o Papa Bento XVI alertou para esta prioridade.
«É preciso mudar!» Foram as palavras que saíram dos lábios do Santo Padre no dia 10 de Novembro de 2007.
O desígnio da mudança é transportado pela Igreja de Cristo desde sempre. Não se trata só de reconhecer a mudança. Trata-se, acima de tudo, de corporizar e de oferecer a mudança.
A Igreja não pode limitar-se a analisar as mudanças que se operam na realidade do mundo. Ela mesma tem de ser uma proposta de mudança dentro dessa mesma realidade.
4. Causa perplexidade verificar que, em Igreja, há quem prefira as mudanças operadas na realidade à mudança trazida pelo Evangelho.
Existe uma espécie de resignação perante as mudanças em curso no mundo e uma resistência à mudança proporcionada por Cristo.
Só que, ao invés do que se possa julgar, não é assim que melhor se serve as pessoas.
O mundo espera da Igreja algo diferente porque sente que a Igreja é portadora de uma diferença. Para dizer o que toda a gente diz e fazer o que toda a gente faz não é preciso haver Igreja.
Sucede que, na própria Igreja, se erguem muros. Nem o Papa está livre. Tantas vezes ele é aplaudido. Mas quantas vezes será seguido?