- Em fins de Agosto e nos começos de Setembro, Lamego parece um mar. Não um mar de água, mas um mar de gente, um mar de luz, um mar de Mãe. São muitos os que vêm ao encontro da Mãe nestes dias. São tantos, aqueles com quem a Mãe — perdidamente! — Se reencontra nestes Seus dias. A Mãe vai fazer anos, mas somos nós que recebemos o presente, o melhor presente: Jesus.
Em Lamego, o Natal começa em Setembro. Há até quem costume repetir à maneira de adágio: «Aos Remédios chegámos, no Natal estamos». Enfim, o Natal de Maria como que prenuncia o Natal de Jesus.
- Nesta altura, Lamego veste-se de festa — e rebenta de emoção — para celebrar Nossa Senhora dos Remédios. Ninguém consegue atrair tantos corações e arrastar tão volumosas multidões. É para a Sua casa que todos os passos se dirigem. É para a Sua imagem que todos os olhares se voltam.
Entre tantas partidas — e outros tantos regressos —, Nossa Senhora dos Remédios avulta, sem dúvida, como a principal embaixadora de Lamego. À Sua boleia, Lamego é uma terra que chega a toda a Terra. Em cada estampa que daqui sai é uma referência a Lamego que também vai.
- Sucede que a Festa de Nossa Senhora dos Remédios não é só no dia 8 de Setembro. Quem olha para a Festa desde o seu início imediatamente se apercebe de que na Novena esteve a sua raiz e o seu alicerce. Foi a Novena que gerou a Festa, foi a Novena que trouxe a Festa. Assim sendo, tal como é impossível conhecer Lamego sem visitar Nossa Senhora dos Remédios, também não é possível participar na Festa sem viver a Sua Novena.
É na Novena que encontramos a origem, a matriz e a genuína verdade da Festa. É a Novena que nos devolve a pureza, a união e a simplicidade que deveriam sempre existir na Festa.
- Na Novena, não há ponta de encenação. O porte sobrepõe-se totalmente à pose. Todos se vestem de peregrinos. Todos fraternizam na única fé e no mesmo amor.
A Novena contém o mais extenso — e o mais intenso — da Festa. Ela é a actividade que dura mais tempo e a realização que provoca as mais emocionantes vivências. Daí até que nos tenhamos habituado a dizer «Novenas» em vez de «Novena», como que a mostrar que o efeito da Novena se pluraliza em tantas horas de tantíssimos dias.
- Ao relatar a inauguração do Santuário, em 1761, o Cónego José Pinto Teixeira já fala expressamente da Novena. Tudo foi preparado — e executado — em função do arranque da Novena. A bênção do Santuário ocorreu a 22 de Julho, uma quarta-feira dedicada a Santa Maria Madalena. No sábado, dia 25, consagrado a São Tiago, Nossa Senhora dos Remédios desceu à cidade. A 26, Domingo, Santa Ana foi comemorada e Nossa Senhora regressou à Sua morada.
Na segunda-feira, dia 27, a imagem foi colocada no trono e no dia 28, terça-feira, começou então a «Sua Novena». Se fizermos a contagem, notaremos que o dia principal da Festa (5 de Agosto) era o último dia da Novena. Como sabemos, a Festa de Nossa Senhora dos Remédios só passou a ser celebrada a 8 de Setembro a partir de 1778. Naqueles tempos, a Novena era vista não tanto como uma preparação para a Festa, mas acima de tudo como uma vivência antecipada da própria Festa.
- A forma de estar dos peregrinos nestas madrugadas de Agosto e Setembro tem mostrado, desde o início, que a Novena é o mais belo da Festa, é o mais puro da Festa. Além de «um invulgar acontecimento religioso», a Novena é «a alma e a essência» da Festa, «o que mais nela se aproveita, o que mais rende para glória de Deus e honra de Nossa Senhora, o que ela tem de mais piedoso, de mais edificante e mais construtivo». Ela «é o trabalho da graça oculta a encher as almas de fé activa e fecunda; é o transbordar do Coração de Deus pelas mãos bondosas da Senhora».
Juntar pessoas num arraial é facto trivial. Congregar muita gente antes de dormir é coisa frequente. Mas formar, repetidamente, uma multidão antes da hora habitual de acordar é acontecimento raro, para não dizer único. Sucede que o mais impressionante é sentir que a recorrência não satura. A multidão, qual caudal sem freio, cresce de dia para dia. Ou, para ser mais preciso, de madrugada para madrugada. As madrugadas de fé no Santuário de Nossa Senhora dos Remédios são um património com um valor incalculável.
- Quem vive a Novena não consegue dizer o que sente. Quem começa a viver a Novena só verte um lamento: não ter começado antes. E quem ainda não experimentou não imagina o que tem perdido. Aqui, há um encontro muito intenso que irradia uma paz imensa. Todos notam que, em cada madrugada, a Mãe vem e, com Ela, o Filho vem também.
A Novena não costuma encher páginas de jornais, como aliás não aparece muito em registos dos antigos anais. Entende-se, porém, esta parcimónia informativa pois a Novena, sendo incomparável para viver, torna-se praticamente impossível de descrever.
- Uma coisa é certa: só uma fé muito forte (e apenas a fé dos simples é forte) consegue, após um dia de canseiras e antes de uma nova jornada de trabalhos, levantar tanta gente a esta hora.
A Novena não é só preparação para a Festa; toda a Novena já é Festa. Ela é a atmosfera que nos aclimata para a fruição da teosfera que nos é servida por Nossa Senhora dos Remédios. A madrugada de cada dia é, pois, uma luminosa teofania.
- A Novena presenteia-nos com enchentes, pois está sempre com muita gente. É gente que não precisa de ser convidada para ter presença assegurada. É gente que não vem para ser vista, mas para ser visitada: pela Mãe que alimenta o Filho e que dá o Filho em alimento a todos nós, Seus filhos.
Toda a gente reza, toda a gente canta. Toda a gente conhece o «Pai-Nosso» e a «Ave, Maria». Toda a gente conhece os cânticos que aqui são entoados, especialmente a «Ave, Maria da Novena». A entoação da «Ave, Maria da Novena» é simplesmente indescritível. Mais do que entoada pelos lábios, a «Ave, Maria da Novena» é gritada pela alma num contágio de emoções que faz estremecer todos os corações.
- Toda a Novena tem um tom auroral, uma vez que começa ainda de noite e acaba já de dia. A Novena faz reluzir o dia e raiar o grande sol: o sol que é Jesus e que a todos nos enche de luz.
É verdade que não é fácil vir à Novena. A Novena cansa bastante por fora; mas faz-nos descansar plenamente por dentro. É por isso que a Novena custa muito quando começa, mas custa muito mais quando termina. Há muito suor no início, mas são muito mais abundantes as lágrimas que chovem no fim. Os filhos trazem até à Mãe o seu pranto. A Mãe deposita nos filhos o Seu sorriso de encanto. São muitas as lágrimas que os filhos levam até à Mãe. É radioso o sorriso que a Mãe acende nos lábios dos Seus filhos. Nada disto se explica, tudo isto se sente. Nunca deixemos de sentir os afagos da nossa querida Mãe. E nunca nos esqueçamos de ouvir a Palavra de Seu divino Filho!