O acontecimento de Deus nos acontecimentos dos homens. A atmosfera é sempre alimentada por uma surpreendente Theosfera.

Domingo, 08 de Outubro de 2017

A. Não faltou quem agredisse Jesus

 

  1. Todos nós conhecemos — e tememos — o «bullying». O ano lectivo, que ainda há pouco começou, já traz muita gente preocupada com ele. Como é sabido, o «bullying» é uma forma deliberada de violência que se repete ao longo do tempo com o objectivo de afirmar o poder do agressor sobre a vítima.

Há, portanto, aqui três ingredientes explosivos: o poder, a conquista do poder contra os outros e a conquista do poder através da violência. Sintetizando ainda mais, dir-se-ia que o «bullying» significa três coisas, três coisas muito negativas: dominar, humilhar e agredir.

 

  1. Acresce que a violência pode não ser física ou pode não ser apenas física. A violência pode igualmente envolver ameaças, humilhações, ofensas e calúnias. E todos nós sabemos que a dor que mais dói não é a dor física. A dor da alma não dói menos nem mói menos.

Entretanto e se pensarmos bem, verificaremos que o «bullying» não é de agora. Afinal, o Filho de Deus também esteve submetido a um permanente assédio do «bullying». Ainda criança e já recebia ameaças, tendo de fugir para o Egipto (cf. Mt, 2, 1-12). E que foi a Sua vida pública senão uma contínua exposição a toda a sorte de «bullying»? Nunca Lhe faltaram adversários e inimigos. Não faltou sequer quem O atacasse fisicamente (cf. Jo 18, 22), agredisse verbalmente e desgastasse moralmente (cf. Mt 11, 19).

 

B. A rejeição que dói — e que mói — é a dos que estão perto

 

  1. O texto do Evangelho que acabamos de ouvir é uma parábola que sinaliza o constante «bullying» a que Jesus esteve sujeito. Ele é o Filho que o proprietário envia à vinha depois de previamente ter mandado criados. Estes criados são os profetas que Deus enviou e que foram sucessivamente rejeitados. O mesmo iria acontecer ao próprio Filho, que também foi eliminado (cf. Mt 21, 38).

Toda a vida de Jesus foi um cruzamento entre aceitação e rejeição. O mais curioso — e mais doloroso — é verificar que a rejeição não veio de fora, mas de dentro.

 

  1. Os agricultores que matam o filho são a figura dos fariseus, dos sumos sacerdotes e dos anciãos do povo. Ou seja, são a figura daqueles que sempre hostilizaram Jesus: os do Seu tempo, os do Seu povo. Como diz o quarto Evangelho, Jesus «veio para o que era Seu e os Seus não O receberam» (Jo 1, 11).

De facto, a rejeição que magoa não é tanto a que vem dos que estão longe; é especialmente a que vem dos que estão perto. E rejeitar é também um modo de eliminar. Na verdade, não se morre só quando a morte chega. A morte também vai chegando com a rejeição.

 

C. Tanto de Deus para nós, tão pouco de nós para Deus

 

  1. A rejeição não afecta apenas o homem em relação ao homem. Também afecta o homem na sua relação com Deus. Não falta, na verdade, quem insista em afastar Deus da vida e em afastar a vida de Deus. O problema é que, ao cortar com Deus, o homem não fica só sem Deus; arrisca-se a ficar também sem mundo e sem…ele mesmo. E, nesse caso, como escreveu Xavier Zubiri, «é a solidão absoluta».

Já o Antigo Testamento mostrava como Deus esperava muito do Seu povo, que Ele trata como sendo a Sua vinha: «A vinha do Senhor (…) é a Casa de Israel» (Is 5, 7). É uma vinha que Deus trata com enlevo e com desvelo: «Que mais se podia fazer à Minha vinha que Eu não lhe tivesse feito?» (Is 5, 4). Tanta amava Deus a Sua vinha, tanto esperava Deus da Sua vinha e tão pouco ofereceu a Sua vinha a Deus: «Quando Eu esperava que viesse a dar uvas, porque deu ela só uvas azedas?» (Is 5, 4)! Aliás, este é um sentimento que nós entendemos bem. Tanto trabalho dá a vinha ao viticultor e tão pouco proveito parece tirar o viticultor da vinha!

 

  1. De Israel Deus esperava «a rectidão e só há sangue derramado; esperava justiça e só há gritos de horror» (Is 5, 7). Sem Deus, o povo não acerta no seu caminho. Daí que o povo clame para que Deus reconsidere, como escutámos no Salmo Responsorial: «Deus do universo, vinde de novo, olhai dos Céus e vede, visitai esta vinha» (Sal 79, 15).

Os profetas continuaram a vir. O próprio Filho de Deus visitou o Seu povo. E, não obstante, a rejeição manteve-se. Ao longo destes vinte séculos, a rejeição de Jesus Cristo não ocorre apenas lá fora; também ocorre cá dentro. Aliás, Jesus, perante alguma animosidade em Nazaré, disse que «um profeta é desprezado na sua terra, entre os seus familiares e em sua casa» (Mc 6, 4).

 

D. De fora, as interpelações; de dentro, os obstáculos

 

  1. Nós, Igreja, somos, hoje, a Sua terra, a Sua família e a Sua casa. E, como há dois mil anos, é entre os Seus que sobrevém a traição (cf. Mt 26, 15-27, 3). Do exterior vêm as interpelações. Mas, frequentemente, é do interior que advêm os maiores obstáculos. Muito antes de se tornar Papa, Bento XVI reconhecia que a Igreja, em vez de ser «a medida e o lugar do anúncio, pode apresentar-se quase como o seu impedimento». É por isso que, não raramente, quando se diz Igreja, muitos pensam num sistema que afasta de Deus e não num povo que caminha para Deus.

Impõe-se, por conseguinte, retornar à génese da Igreja, isto é, a Deus e ao Povo: ao Deus do Povo e ao Povo de Deus. A Igreja é a proposta amorosa de Deus ao Povo. E há-de ser a resposta amorosa do Povo a Deus. É neste sentido que a Igreja é amada por Deus e querida pelo Povo.

 

  1. A tragédia de Israel foi a rejeição de Cristo. Mas Aquele que é rejeitado pelos homens acaba por ser aprovado por Deus (cf. Act 4, 10): «A pedra que os construtores rejeitaram veio a tornar-se pedra angular» (Mt 21, 43; Sal 118, 22). Trata-se da pedra angular de uma nova construção, de uma nova vinha, de um novo povo. Trata-se da pedra angular da Igreja, formada por judeus e não judeus, sem privilégios nem exclusões. É este povo que há-de dar frutos (cf. Mt 21, 43), ou seja, que há-de levar Cristo a toda a parte e anunciá-Lo a toda a gente (cf. Mt 28, 16-20).

Este povo está destinado a quebrar as fronteiras entre todos os povos. É neste espírito que São Paulo diz aos cristãos para aceitarem «tudo o que é verdadeiro e nobre, tudo o que é justo e puro, tudo o que é amável e de boa reputação, tudo o que é virtude e digno de louvor» (Fil 4, 8). Venha donde vier, tudo o que é bom vem sempre de Deus. Numa altura em que praticamente deixou de haver fronteiras entre os povos, porque é que hão-de crescer as barreiras entre as pessoas?

 

E. Deus está no alto, mas quer ser encontrado em baixo

 

  1. Joaquim Alves Correia, homem de coração forte e vistas largas, convidava-nos a olhar precisamente para a «largueza do Reino de Deus». Quebremos, então, todas as barreiras. Não humilhemos mais os humildes nem empobreçamos mais os pobres. Tenhamos presente que muita gente sai porque nós afastamos. Não ignoremos que muita gente não quer entrar porque nós não cativamos. E nunca percamos de vista que Jesus não está só no templo; também está no tempo.

Jesus está em todos, especialmente nos mais pequenos. Ele o assumiu: «Tudo o que fizerdes ao mais pequeno dos Meus irmãos, é a Mim que o fazeis» (Mt 25, 40).

 

  1. Deus está nas alturas, mas Jesus ensina-nos que, para encontrar Deus, o primeiro passo não é olhar para cima; é olhar para baixo, para o fundo. O Reino de Deus é como a semente lançada à terra (cf. Mc 4, 26).

Como avisava S. Francisco Xavier, «para Deus sobe-se descendo». É na terra — é em cada pessoa que habita na terra — que encontraremos Deus. Nunca nos desencontremos d’Ele. E nunca contribuamos para que alguém deixe de se reencontrar com Ele. Nunca nos esqueçamos disto: levemos Cristo a todos e encaminhemos todos para Cristo!

publicado por Theosfera às 05:59

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