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Domingo, 11 de Dezembro de 2016

A. Que fizemos da alegria?

  1. Quem, neste mundo, não procura a alegria? E quem, apesar de procurar a alegria, não se sente, permanente e violentamente, assediado pela tristeza? Muitas vezes, é a falta de alegria que nos leva a procurar momentos de euforia. Só que, quando termina a euforia, sentimo-nos vazios de alegria. Hoje em dia, confessamo-nos órfãos da alegria. Todos a buscamos, mas parece que ela não se deixa encontrar. Fazemos tudo para encontrar a alegria, mas a alegria parece que não quer encontrar-se connosco.

Afinal, que fizemos da alegria? Estaremos, em vez de fazer, a desfazer a alegria? Porque é que a alegria nos falta? Que nos faltará para que a alegria nos visite?

 

  1. Falta-nos Deus. Ou, melhor, faltamos a Deus. Não é Deus que nos falta, somos nós que faltamos a Deus. Longe de Deus, não há alegria ou, então, não há alegria plena. Tal como um atleta só é plenamente alegre quando vence a prova, o ser humano só encontra a plenitude da alegria quando está em Deus e quando deixa que Deus esteja nele.

Podemos ter tudo, mas, longe de Deus, nunca nos sentiremos plenamente alegres. Podemos não ter nada, mas, em Deus, sentir-nos-emos sempre visitados pela alegria.

 

B. Afinal, onde está a alegria?

 

3. É sintomático notar que o convite de São Paulo à alegria é feito na prisão. Não se trata de um ambiente propriamente propício à alegria. Mas o Apóstolo sente-se alegre porque está em Deus, porque está com Cristo.

Daí o (insistente) apelo aos cristãos: «Alegrai-vos sempre no Senhor» (Fil 4, 4). E, a seguir, repete: «Novamente vos digo: alegrai-vos» (Fil 4, 4). Porquê? Porque «o Senhor está próximo» (Fil 4, 5). Aliás, é esta fórmula verbal — o imperativo «alegrai-vos» — que deu origem a este Domingo, chamado «gaudete». «Gaudete» é o imperativo do verbo latino «gaudeo», que significa precisamente «alegrai-vos».

 

  1. A alegria de que fala São Paulo não é uma alegria adversativa. Ou seja, não é uma alegria em oposição a qualquer outra alegria. Como bem notou o Papa Bento XVI, não devemos entender «alegrai-vos no Senhor» como se nos estivesse a ser dito «alegrai-vos “mas” no Senhor». A alegria no Senhor não é uma alegria oposta, mas uma alegria plena. São Paulo está convencido de que «toda a verdadeira alegria está incluída no Senhor, não podendo haver alegria verdadeira fora d’Ele».

Neste sentido, longe do Senhor, a alegria é sempre insuficiente. Longe do Senhor, a pessoa sente-se como que num «redemoinho no meio do qual não pode sentir-se realmente alegre».

 

C. O segredo da verdadeira alegria

 

5. Por conseguinte, se queremos a alegria, recebamos o Filho da Virgem Maria. Não é o prazer banal que nos dá alegria real. Nem sequer é a diversão que nos alegra o coração. Aliás, são tantas as noites de pretensa festa que acabam de maneira funesta. Como pode haver alegria na existência com tantas cenas de violência?

Foi apenas com Jesus Cristo que, no mundo, «apareceu a alegria real». Aliás, nada há de verdadeiro se não nos abrimos a Cristo por inteiro. É por isso que, como observou Bento XVI, «a nossa alegria só será verdadeira se não assentar em coisas que nos podem ferir e destruir». A nossa alegria só será verdadeira com Cristo Jesus à nossa beira.

 

  1. Sem Cristo, nada, ainda que tenhamos tudo. Com Cristo, tudo, ainda que não tenhamos (mais) nada. A este propósito, há um episódio na vida de São Francisco de Assis que documenta bem como, mesmo sem ter nada, é possível ser alegre. Consta que, um dia, ele perguntou aos seus confrades: «Em que consistirá a verdadeira alegria?»

As propostas foram surgindo. Consistiria a verdadeira alegria no facto de todos os mestres de Paris entrarem na Ordem Franciscana? São Francisco responde que não. Consistiria a verdadeira alegria na adesão de todos os bispos e reis à referida Ordem? São Francisco volta a responder que não. Consistiria a verdadeira alegria nos êxitos da pregação ou no dom de fazer milagres? Para espanto de muitos, São Francisco volta a responder que não.

 

D. Uma alegria que até arrepia

 

7. Onde estaria, afinal, para São Francisco, a verdadeira alegria? São Francisco responde, propondo que meditemos na seguinte situação.

Imaginemo-lo, numa noite de Inverno, a chegar a casa, de horas a fio a mendigar. Está muito frio e as pernas já escorrem sangue. Depois de bater à porta e de esperar bastante tempo, alguém lhe diz lá de dentro: «Não são horas de chegar a casa. Fica aí, de fora». Novas insistências, novas recusas e alguns insultos. Conclusão de São Francisco: «Se eu suportar tudo isto com serenidade, sem perder a calma, terei encontrado a verdadeira alegria»!

 

  1. É claro que tudo isto arrepia e não é por se situar no Inverno. Tudo isto arrepia por causa da nossa sobranceria. Tudo isto arrepia porque não vemos aqui qualquer alegria. Ver alegria nesta desventura só pode ser sintoma de loucura. Sucede que, para São Francisco (como para São Paulo, aliás), o que é louco aos olhos do mundo é o mais sábio aos olhos de Deus (cf. 1Cor 1, 18-25).

No fundo, para haver alegria é preciso combater uma tirania. A tirania do eu leva a que cada um só pense em si e no seu. Temos, pois, de nos libertar de nós para que a alegria (re)entre em nós.

 

E. Alegria na missão, com o exemplo de João

 

9. É fundamental que ponhamos Jesus no centro: no centro da nossa vida. Coloquemos Jesus em primeiro lugar e não procuremos logo o lugar a seguir ao lugar primeiro. Em inglês, alegria diz-se «joy». E «joy» pode funcionar como um acróstico em que «J» é inicial de Jesus, «o» é inicial de outros («others) e «y» é inicial de você mesmo («yourself»). Eis que nos surge, então, a seguinte proposta de vida: Jesus em primeiro lugar («Jesus first), os outros em segundo lugar («others second») e cada um de nós em último lugar (yourself last»).

Que cada um de nós coloque Jesus em primeiro e os outros em segundo. Foi, de resto, o próprio Jesus que nos ensinou o serviço aos outros, a entrega pelos outros. E não tenhamos medo de ficar em último até porque, segundo o Evangelho, os últimos são os primeiros (cf. Mt 20, 16). Deus olha para os últimos. Deus ama os últimos. E faz dos últimos primeiros.

 

  1. Alegremo-nos, então, em Deus. Deixemo-nos inebriar por este belíssimo «hino à alegria» que Isaías faz desfilar. Até o deserto e os descampados para a alegria são convocados (cf. Is 35, 1). E porquê? Porque Deus vem, porque Deus está sempre a vir. Vem para fazer justiça e vem para nos salvar (cf. Is 35, 4). Por isso, nada de sustos nem de aflições. Haja sempre alento e coragem nos nossos corações (cf. Is 35, 4). A vinda de Deus transforma tudo. Até os cegos voltarão a ver e até os surdos voltarão a ouvir (cf. Is 35, 4).

Como há dois mil anos, procuremos contar o que vimos e ouvimos (cf. Mt 11, 49). Uma alegria nunca pode estacionar. Uma alegria é sempre para irradiar. Como a João, deixemos que Jesus toque o nosso coração. O Baptista, homem íntegro e verdadeiro, é o modelo para todo o mensageiro. No seu tempo, nunca aceitou ser uma cana agitada pelo vento (cf. Mt 11, 7). As suas roupas não eram macias (cf. Mt 11, 8) e as suas palavras nunca foram vazias. A alegria de João é, pois, uma permanente lição. A sua alegria assentava na verdade que vivia. A verdade é sempre alegre, a alegria é sempre verdadeira. Cristo é a alegria, Cristo é a verdade. Para todos, Ele é a felicidade!

publicado por Theosfera às 13:01

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