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Domingo, 22 de Outubro de 2017

A. Ele fica em nós quando saímos de nós

  1. Por hábito, todos gostamos de levar e trazer. Mas, por norma, não gostamos de quem leva e traz. O povo diz que «quem leva e traz não faz a paz». Levar e trazer é o pantanoso terreno da intriga, da insinuação e de toda a maledicência.

Acontece que, se pensarmos bem, a missão consiste, antes de mais, em levar e trazer. Levar e trazer é o que faz a missão acontecer. O missionário é o que leva e traz: é o que leva Cristo e é o que traz para Cristo; é o que leva Cristo às pessoas e é o que traz as pessoas para Cristo.

 

  1. Foi, aliás, o próprio Jesus que lançou as bases da missão. Antes de voltar para o Pai, ofereceu-nos uma certeza e deixou-nos uma ordem. A certeza é que Ele iria ficar (cf. Mt. 28, 20). E a ordem era que nós saíssemos (cf. Mt. 28, 19). Concretizando, Jesus fica quando nós saímos; Jesus fica em nós quando nós saímos de nós.

O Papa Francisco lembra que, «hoje, ainda há muita gente que não conhece Jesus Cristo». De facto, há muita gente que não conhece Jesus Cristo porque nunca ouviu falar d’Ele. E há muita gente que não conhece Jesus Cristo mesmo tendo ouvido falar d’Ele. É por isso que «a missão da Igreja é animada por uma espiritualidade de êxodo contínuo»Trata-se, como assinala o Santo Padre, de «sair da própria comodidade e de ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho».

 

B. Evangelizar não é o primeiro passo; é o segundo

 

  1. Evangelizar é converter-se ao Jesus do Evangelho e anunciar o Evangelho de Jesus. Assim sendo, o primeiro passo do evangelizador não é evangelizar. Evangelizar será o segundo passo. O primeiro passo do evangelizador é deixar-se evangelizar.

Com efeito, como pode evangelizar quem não está evangelizado? Como pode evangelizar quem não se deixa evangelizar? Mas como poderá deixar-se evangelizar quem pensa que já está evangelizado? Nunca percamos de vista que a evangelização não é uma coisa feita; é um constante fazer-se. Alguma vez poderá ser dada por concluída a evangelização?

 

  1. Só está em condições de evangelizar quem se deixa evangelizar. Será que toda a evangelização sabe a Evangelho? Sem Evangelho na vida, será lícito falar de evangelização? Sem oração, haverá evangelização? Sem Eucaristia, haverá evangelização? Sem formação, haverá evangelização? Sem amor ao próximo, haverá evangelização?

Para haver Evangelho, não pode haver apenas conhecimento do Evangelho; tem de haver sobretudo vivência do Evangelho: uma vivência despojada, uma vivência constante, uma vivência alegre, uma vivência autenticamente felicitante.

 

C. O evangelizador também tem de ser evangelizado

 

  1. Como muito bem explica D. António Couto, o problema da evangelização «não reside nos destinatários» (…); «reside no sujeito evangelizador que, para o ser, terá também de ser fruto de evangelização». O nosso mal é que continuamos a achar que a responsabilidade do insucesso nosso é culpa de outros.

Será que nós não damos motivos para recusar? Será que nós nos dispomos a sair? E, quando saímos, que levamos? Não basta ir a todos os lugares. Não é suficiente chegar a todas as pessoas. É preciso ir a toda a parte com o Evangelho. É urgente chegar a toda a gente com o Evangelho. A chegada do evangelizador tem de ser a chegada do Evangelho. Mas só pode levar Evangelho quem procura converter-se ao Evangelho.

 

  1. «Quem não precisa de conversão?», perguntava o saudoso D. Hélder Câmara. O evangelizador também de ser evangelizado. Só pode ajudar a converter a Cristo quem se deixa converter por Cristo. Quem não assume as suas falhas, como pode ajudar os outros a reconhecer os seus erros? A conversão a Cristo e ao Evangelho de Cristo é o ponto de partida para atrair os outros para Cristo.

Para isso, não chega trazer o Evangelho na mente e nos lábios; é fundamental trazer o Evangelho no coração e na vida. Só a partir da vida se pode chegar à vida. Aliás, o Evangelho está escrito no livro para ser (permanentemente) inscrito na vida. Entende-se, assim, que São João de Calábria, que clamava por um «regresso ao Evangelho», insistisse para que fôssemos «Evangelhos vivos».

 

D. Ser cristão é ser missionário

 

  1. O Evangelho é mais da ordem do testemunho do que do mero conhecimento. O Bem-Aventurado Paulo VI percebeu que «o homem contemporâneo escuta com maior boa vontade as testemunhas do que os mestres». Se escuta os mestres, é «porque os mestres são testemunhas». De resto, o referido Pontífice tinha já identificado, como sendo um dos grandes males do nosso tempo, o divórcio entre a fé e a vida. E é notório que, não poucas vezes, a fé parece estar com pouca vida e a vida parece estar com pouca fé. É preciso, portanto, pôr mais vida na fé e colocar mais fé na vida.

Perante a magnitude deste cenário, a missão não é só para alguns nem para alguns momentos. A missão é para todos e é para sempre. Ela não começa com o sacramento da Ordem nem com a consagração religiosa. A missão começa com o sacramento do Baptismo. Foi por isso que o Vaticano II recordou que «a Igreja é, por natureza, missionária». Não se pode ser cristão sem ser missionário. Onde está o cristão, aí tem de estar a missão.

 

  1. Porque, como recorda o Santo Padre, a missão está no coração da fé, então a missão incumbe a todos. Por conseguinte, vós sois tão missionários como eu. Eu sou missionário para vós e convosco, vós sois missionários para mim e comigo. Eu também preciso de ser evangelizado por vós. Os padres, os bispos e os religiosos também precisam de ser evangelizados pelo povo. Cada um tem a sua missão e cada um tem muito a crescer com a missão dos outros. O Evangelho não é privilégio de ninguém nem exclusivo de alguns; é dom para cada um e responsabilidade para todos.

Este é, pois, um dia para tomarmos consciência do que devemos ser todos os dias: enviados, apóstolos, evangelizadores. Neste dia, somos convidados a oferecer alguma coisa para as missões. Em cada dia, somos interpelados para que nos ofereçamos a nós mesmos em missão. Ninguém se pode sentir demissionário; cada um deve sentir-se sempre missionário. Somos chamados a viver sempre em estado de missão e jamais em estado de demissão.

 

E. Sempre em missão, nunca em demissão

 

  1. O mundo tem necessidade do Evangelho, do Evangelho inteiro, do Evangelho sem glosas e sem pausa. Como adverte São Paulo, o Evangelho não se anuncia apenas com palavras (cf. 1Tes 1, 5); há-de anunciar-se sobretudo com o testemunho da vida, sob «a acção do Espírito Santo e com profunda convicção» (1Tes 1, 5).

Neste sentido e voltando às fecundas expressões de D. António Couto, diria que é urgente implementar uma «evangelização non-stop», sem pausas, sem recuos e «sem andaimes». O Evangelho tem de estar no começo, no meio e no fim de tudo, sem equívocos nem confusões: o que pertence a César deve ser entregue (ou devolvido) a César; o que pertence a Deus deve ser entregue (ou devolvido) a Deus (cf. Mt 22, 21). E o que é que pertence a Deus? A Deus pertence o ser humano, pertencemos nós. É por isso que, como notava Santo Agostinho, o nosso coração anda inquieto enquanto não repousar em Deus.

 

  1. A evangelização existe para chegar a todo o homem, para lhe dizer que Deus o ama e para lhe assegurar que só será feliz em Deus. Deus é o maior investidor na felicidade do homem: apostou o melhor que tinha — o próprio Filho (cf. Jo 3, 16) — na felicidade de todos os homens.

Evangelizar é, pois, felicitar, é semear felicidade. Não é o Evangelho que nos afasta de ninguém. O Evangelho é o que mais nos aproximará de todos!

publicado por Theosfera às 05:57

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