- Na hora que passa, há muitos a fazer contas e há tantos a fazer de conta.
Se, por vezes, é doloroso ter de fazer contas, é sempre angustiante ver tanta gente a fazer de conta.
- Para estar sempre no alto, há quem da vida faça um palco.
Há muitos que, não sendo o que parecem, fazem tudo para parecer o que não são.
- É claro que nunca conseguiremos mostrar plenamente o que somos.
Mas se não gostamos de mostrar o que somos, porque é que, ao menos, não procuramos ser o que mostramos?
- É estranho que, num tempo que tanto exalta a transparência, haja tantos que só se preocupam com a aparência.
Ao contrário do que se pensa, as aparências não servem para revelar. Na realidade, só servem para (tentar) enganar.
- Afinal, o «docetismo» não aconteceu só no âmbito eclesial. Continua a haver muito «docetismo» no plano pessoal.
E a heresia existencial não é menos danosa que a heresia doutrinal. Ambas iludem.
- Como é sabido, o «docetismo» surgiu no século II afirmando que o corpo de Cristo era apenas aparente («dókema»).
Achava-se que Deus, impassível e imortal, era incompatível com este mundo de sofrimento e de morte.
- Ao descer à nossa humana condição (cf. Jo 1, 14), Deus expunha-Se ao que mais contrariava a Sua natureza.
Daí a solução que alguns encontraram: o corpo de Jesus Cristo não podia ser real, só podia ser aparente.
- Acontece que, já nessa altura — com Santo Inácio de Antioquia à cabeça —, foram muitos os que se aperceberam da falência desta teoria da aparência.
Se o corpo de Jesus fosse apenas aparente, a Sua vida e a Sua morte também teriam sido aparentes.
- Em tal caso, tudo ficaria em causa. Na sua essência, até a nossa salvação não seria mais que aparência.
Mas Jesus, que nunca suportou hipocrisias nem fingimentos, teve um corpo real. Foi por ele que nos chegou a salvação total.
- A realidade de uma aparência não passa de uma aparência de realidade. Chega sempre um momento em que a própria aparência de realidade denuncia a realidade dessa aparência.
Uma aparência pode deslumbrar, mas é incapaz de a nossa vida transformar. Só na verdade — e na autenticidade — (re)encontraremos a felicidade!