O acontecimento de Deus nos acontecimentos dos homens. A atmosfera é sempre alimentada por uma surpreendente Theosfera.

Domingo, 14 de Janeiro de 2018

A. Deus também é peregrino do homem

  1. Deus vem. Deus fala. Deus permanece. Vem, fala e permanece desde o princípio. Deus, em Si mesmo, é um mistério de presença, de comunicação e de encontro. É certo que esta clareza nem sempre anula toda a obscuridade. Nem sempre estamos em nós quando Deus vem até nós. Ou talvez estejamos demasiado em nós quando Ele vem até nós.

Muito se tem falado, nos últimos tempos, no silêncio de Deus. São, de facto, muitas as vezes em que Deus está em silêncio. Mas isso não quer dizer que Deus não fale. Deus fala, quase sempre, em silêncio. Pelo que só em silêncio poderemos escutá-Lo. O problema não é, pois, Deus ser silencioso. O problema é Deus estar a ser (por nós) silenciado.

 

2. A contínua atenção de Deus esbarra, quase sempre, com a permanente desatenção do homem. O nosso Deus é um «Deus falante» e, mais concretamente, um «Deus chamante». Deus vem sempre ao nosso encontro e nunca deixa de nos interpelar.

Deus vem quando estamos acordados e vem — ainda mais — para nos acordar quando, como sucedeu a Samuel, estamos a dormir (cf. 1Sam 5, 3). Deus é o despertador da sonolência em que, tantas vezes, nos deixamos cair. Quando procuramos Deus, verificamos que já Deus nos tinha procurado. Quando vamos ao encontro de Deus, notamos que já Deus nos tinha encontrado. No fundo, não é apenas o homem que se torna peregrino de Deus. Deus também Se torna peregrino do homem.

 

B. Que espaço damos a Deus?

 

  1. Na peregrinação que faz pela interioridade humana, Deus não desiste. Deus persiste. Deus é persistente. Como aconteceu com Samuel, também junto de nós Deus chama uma vez, chama duas vezes, chama três vezes, enfim, chama-nos sempre. Nesta procura, não devemos ter medo de pedir ajuda e não devemos hesitar em oferecer ajuda. Samuel recorreu à ajuda de Eli e Eli não negou a sua ajuda a Samuel. Deus serve-Se do homem para chegar ao próprio homem.

Como notou Edward Schillebeeckx, «o homem é a palavra de que Deus Se serve para escrever a Sua história». De dia ou de noite, importa estar atento. Um crente não pode ter as portas fechadas. As portas de um crente têm de estar sempre abertas.

 

  1. A história da salvação não está sobreposta à história da humanidade. A história da salvação acontece na história da humanidade. Como alertou Xavier Zubiri, nem sequer é preciso trazer Deus para dentro do homem porque Deus já lá está. É urgente acolher esta presença e escutar esta voz. O primeiro passo é, pois, deixar Deus falar: «Falai, Senhor, que o Vosso servo escuta» (1Sam 3, 9).

Hoje, as pessoas sentem necessidade de falar, mas não têm grande vontade de escutar. Como todos estão ocupados a falar, como há-de haver disponibilidade para escutar? Resultado: nunca se falou tanto, mas nunca se terá comunicado tão pouco.

 

C. O primeiro passo: escutar

 

  1. A escuta é a primeira atitude do servidor. A oração é o grande alento — e o principal alimento — da missão. Como pode falar de Deus quem não está habituado a escutar Deus? Como pode fazer a vontade de Deus quem não conhece a vontade de Deus?

A missão de Samuel nasce da oração de Samuel, da escuta de Samuel. Os nossos lábios até repetem muitas vezes «seja feita a Vossa vontade» (Mt 6, 10). Mas até que ponto nos disponibilizamos como o salmista: «Aqui estou, Senhor, para fazer a Vossa vontade» (Sal 40, 7)?

 

  1. O nosso fazer é a epifania do nosso ser. E o nosso fazer revela que o nosso ser ainda está muito cheio de nós. O nosso ser ainda permanece muito «egocentrado», muito «ego-sentado». Precisamos de converter o nosso ser para transformar o nosso fazer. É preciso que estejamos mais à escuta e mais alerta. A oração não é um desperdício, é um investimento, um poderoso — e precioso — investimento. É na oração que aprendemos a não agir em nosso nome, mas em nome de Deus.

O Deus que vem e que fala é também um Deus que mostra, um Deus que Se mostra. Jesus é a mostração de Deus. Muitos já tinham escutado Deus, mas ainda ninguém O tinha visto (cf. Jo 1, 18). Jesus é Aquele que deixa ver Deus. Por isso, ao ver passar Jesus, João Baptista encaminha para Jesus, o «Cordeiro de Deus»(Jo 1, 36). Dois dos discípulos de João seguem logo Jesus e querem entrar imediatamente na Sua intimidade.

 

D. Deus não Se fecha a quem se abre

 

  1. Encontramos aqui o verdadeiro significado de discípulo. Discípulo é mais que aluno. Aluno é aquele que ouve o mestre; discípulo é aquele que vive com o mestre. Daí a preocupação de Jesus em escolher doze para andarem com Ele, para viverem com Ele (cf. Mc 3, 14). Estes dois discípulos de João querem conhecer a morada de Jesus como passaporte para conhecerem a vida de Jesus.

Deus nunca Se fecha a quem se abre. Os discípulos perguntam: «Mestre, onde moras?» (Jo 1, 38). E Jesus responde de imediato: «Vinde ver» (Jo 1, 39). Abrir as portas da casa é abrir as portas da vida. Ficar com Jesus é ficar com Deus, donde vem a vida de Jesus. Daí o uso de um verbo que é típico de São João: o verbo «permanecer». Em Jesus, Deus permanece em nós e nós permanecemos em Deus.

 

  1. O Tempo Comum é o tempo para estar com Jesus e o tempo para, em Jesus, estar com Deus. Sucede que o novo corpo de Jesus tem o nome de Igreja, da qual Ele é a cabeça e nós somos membros. A Igreja é a morada de Jesus hoje. Foi Ele quem o garantiu: «Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos» (Mt 28, 20). Pertencer à Igreja não é fazer parte de uma organização qualquer. A Igreja não tem luz própria nem vida específica. A luz da Igreja é Cristo. A vida da Igreja só pode ser Cristo. Pelo que pertencer à Igreja é pertencer a Cristo. E, neste sentido, convidar as pessoas para pertencer à Igreja é convidar as pessoas para pertencer a Cristo.

Foi, aliás, o que fez André, um dos discípulos de João que seguiu Jesus. Apesar do relativo adiantado da hora — eram quatro horas da tarde —, foi logo ter com seu irmão Simão e trouxe-o até Jesus (cf. Jo 1, 42). E é tal o impacto do encontro de Jesus com Simão que até o nome é mudado para Cefas, que quer dizer Pedro (cf. Jo 1, 42). Nasce assim uma pessoa nova, prenúncio da missão totalmente nova que iria ter num tempo, também ele, inteiramente novo.

 

E. Nunca em «part-time», sempre em «full-time»

 

  1. A missão é, fundamentalmente, isto: quem se deixa encontrar por Jesus é chamado a levar outros até Jesus. Tal é o segredo na Nova Evangelização: sair para convidar outros a entrar.

Ninguém é obrigado a vir. Mas nós temos a obrigação de ir. Não vamos impor, vamos propor. A evangelização é uma proposta que anela por uma resposta. A proposta tem de chegar a todos: aos de perto, que tantas vezes se sentem longe, e aos longe que anseiam ficar mais perto.

 

  1. São Paulo indica que a evangelização não pode ser feita de qualquer maneira. Afinal, a evangelização é para todos, mas não é para tudo. Paulo convida os cristãos a viverem de uma forma consentânea com o chamamento que Deus lhes fez. Um discípulo não pode sê-lo em «part-time», mas sempre em «full-time». Tal como Deus não Se dá parcialmente, mas inteiramente, também nós somos chamados a dar-nos não parcialmente, mas inteiramente.

A vida de um cristão tem de respirar Cristo, tem de saber a Cristo. Se a nossa vida não souber a Cristo, as nossas palavras não atrairão para Cristo. Não tenhamos medo de nos entregar totalmente a Cristo. Quem por Cristo se perde nunca se perderá. E a todos conquistará!

publicado por Theosfera às 05:38

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