- O paradoxo da «pós-verdade» é que ela, não sendo verdade, chega a ser tida como verdade.
A «pós-verdade» é um eufemismo que pretende apresentar a mentira como um (descontraído) sucedâneo da verdade.
- A repetida enunciação deste conceito como que já sugere um subtil apelo a que nos habituemos a ele.
Não estará a «pós-verdade» a abrir caminho para um mundo sem verdade?
- É sabido, como já Aristóteles tinha notado, que a verdade repousa na realidade.
Em princípio, passa-se o mesmo com a «pós-verdade».
- Acontece que a realidade em que assenta a «pós-verdade» não é, necessariamente, a realidade verificada.
É, cada vez mais, uma realidade fabricada.
- O critério para aferir a verdade já não é apenas o contacto imediato com a realidade. É, crescentemente, um contacto mediado pela comunicação.
Concretizando, para nós, a verdade não é tanto o que experimentamos, mas o que nos é comunicado.
- No fundo, a «pós-verdade» também está em conexão com a realidade. Mas com a realidade da comunicação.
As pessoas tendem a tomar como verdadeiras as informações veiculadas pela comunicação social e pelas redes sociais.
- Só que estas são «verdades» cada vez mais provisórias.
Invariavelmente, chegamos a um momento em que o que era garantido acaba por ser desmentido. Mas o efeito — positivo para alguns e tremendamente negativo para muitos — já foi alcançado.
- O que aconteceu nas recentes eleições nos Estados Unidos dá bastante que pensar.
Alguém terá inundado as redes sociais com notícias falsas sobre um dos candidatos.
- O problema é que o debate não foi indiferente a essas falsidades, que não poucos tomavam por verdades.
A «revolução da conectividade» (Mark Zuckerberg) que lugar reserva para a verdade? Estando conectados uns com os outros, será que estamos todos conectados com a realidade?
- É suposto que a comunicação se baseie na realidade. Mas não é cada vez mais notório que é a realidade que se baseia na comunicação?
Que tempo — e que disponibilidade — existe para olhar para lá da rede? Mas talvez seja isso que urge fazer. Regressemos, como pedia Edmund Husserl, às coisas mesmas, ou seja, à realidade. Sem filtros. E com o ar puro da verdade!