O acontecimento de Deus nos acontecimentos dos homens. A atmosfera é sempre alimentada por uma surpreendente Theosfera.

Domingo, 14 de Abril de 2019

1. Depois de ouvir estes extensos — e intensos — 114 versículos, o que resta para dizer? Permito-me sublinhar apenas um contraste. Trata-se do contraste entre a agitação dos homens, a (dolorosa) serenidade do Filho e o (compassivo) silêncio do Pai.

Tal como sucede em Marcos e Mateus, também em Lucas Jesus grita antes de morrer. A diferença é que não grita duas vezes, mas uma única vez. Mas, ao contrário de Marcos e Mateus, o grito que Lucas nos apresenta não é um grito de abandono, mas um grito de confiança: «Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu espírito» (Lc 23, 46).



  1. E se assim o disse, assim o fez: «Dito isto, expirou» (Lc 23, 46). E é por isso que, mais do que morrer, Jesus vive a morte. A fórmula verbal «exépneusen» significa, à letra, «expelir ar». Como sabemos, uma das palavras que os gregos usavam para descrever o ar era «pneuma», que se traduz habitualmente por «espírito».

Fixando-nos então em «exépneusen», depreendemos que Jesus «deixou sair o pneuma», ou seja, o «espírito». Era precisamente o que Ele tinha anunciado imediatamente antes: «Pai, nas Tuas mãos, entrego o Meu espírito». Diz que «vai entregar o espírito» e entrega mesmo o espírito.



  1. A «entrega do Espírito» não é necessariamente um indicador de morte. Até pode ser — e é-o neste caso — uma poderosa demonstração de vida e vitalidade. Haja em vista que, na Bíblia, o Espírito é sinónimo de vida, pelo que entregar o Espírito também pode equivaler a entregar a vida (cf. Jo 6, 63).

Acresce que o próprio Jesus tinha ressalvado que ninguém Lhe tirava a vida; era Ele que a dava (cf. Jo 10, 18). Por conseguinte, o que imediatamente decorre de dar o Espírito é dar a vida (cf. Jo 6, 63).



  1. É sintomático notar que a Igreja sempre acreditou ter nascido não «do lado morto», mas, como recorda o Vaticano II, do «lado adormecido» de Cristo. Curiosamente também Eva, a primeira mulher da humanidade, fora constituída a partir do lado (tselá) do primeiro homem adormecido (cf. Gén 2, 21-22).

Como recordou o Papa Pio XII foi «do coração ferido [não morto] do Redentor que nasceu a Igreja». O coração sinaliza o imenso amor «que moveu o nosso Salvador a celebrar o Seu místico matrimónio com a Igreja».



  1. E o Pai? Porque é que o Pai não fala? Porque é que o Pai não intervém? Porque é que o Pai não aparece? É um facto que o Pai Se mantém silencioso, mas não está ausente.

Se quem vê o Filho vê o Pai (cf. Jo 14, 6), então quem vê o sofrimento do Filho não pode deixar de entrever o sofrimento do Pai.



  1. Na Cruz, Deus não está ausente, mas em silêncio. Trata-se de um silêncio que não provém da indiferença, mas da compaixão. O silêncio de Deus na Cruz não é passivo, mas com-passivo.

Trata-se, portanto, de um silêncio operante pelo qual o Pai, ainda que não falando, está totalmente envolvido no sofrimento do Filho e de todos nós, Seus filhos.



  1. A presença silenciosa — mas não passiva — de Deus no sofrimento de Cristo é uma das maiores mensagens que se desprende da Cruz.

O Pai entrega o Filho (cf. Rom 8, 32) e o Filho entrega-Se por nós ao Pai (cf. Gál 2, 20) no Espírito que os une eternamente.



  1. Os primeiros teólogos cristãos não hesitaram na hora de envolver Deus no sofrimento. Santo Inácio de Antioquia falava abertamente do «sofrimento de Deus». São Justino, Santo Ireneu e Tertuliano referiam-se ao «Deus crucificado».

E, desafiando a concepção clássica da divindade, Orígenes ressalvava que «o próprio Pai não é impassível». O Pai também sofre o sofrimento do mundo e sofre sobretudo por permitir que o Filho sofra. Permitir que o Filho sofra é a paixão suprema do Pai.



  1. O sofrimento de Deus não é d’Ele; é assumido por Ele. Orígenes explica que o Seu padecer é, essencialmente, um compadecer. Deus sofre o sofrimento humano, pelo que a Sua paixão é uma com-paixão.

A natureza de Deus não é alterada e nem na Cruz o Filho perde a «condição divina» (Fil 2, 6). Em suma, Deus continua a ser impassível; o que Ele recusa é mostrar-Se incompassível.



  1. Ao sofrer connosco, Deus sofre verdadeiramente e até mais intensamente. Deus sofre bem mais do que nós; e não deixará de sofrer enquanto houver sofrimento no mundo. Ele sofre o nosso sofrimento. Ele sofre por nós sofrermos.

Nesta semana santa, olhando para a Cruz do Redentor, excitemos o nosso amor. Não causemos sofrimento a ninguém e partilhemos os sofrimentos que cada um tem. Quem ajuda a levar a Cruz, encontrará sempre Jesus!

publicado por Theosfera às 05:42

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