1. Numa altura em que tanto se fala de revolução, todos sentimos que continua a faltar o essencial: mudança.
No caso da Igreja, a mudança não é só para fazer diferente. É sobretudo para ser melhor. Não basta mudar. É fundamental mudar para melhor. E o melhor da mudança é realizar na vida o projecto de Deus.
Nenhuma criatura humana se equipara a Maria nessa determinação e nessa disponibilidade. O Seu desígnio foi sempre que, n’Ela, se cumprisse a Palavra de Deus (cf. Lc 1, 38). É por isso que, para a Igreja, Jesus é a fonte e Maria o paradigma.
Mudar será, por conseguinte, seguir os passos de quem conduziu essa mudança ao seu grau mais elevado de transparência e de fidelidade.
Acontece que, quando se fala de mudança, a discussão incide nas estruturas, propondo-se a sua alteração.
Esta é, sem dúvida, uma necessidade, mas a prioridade deverá ir (muito) mais longe: a mudança a partir do interior da pessoa. A esta luz, haverá mudança na Igreja sempre que houver esforço de conversão por parte dos seus membros.
Neste aspecto, Maria é mais que uma referência. Ela sobressai como um modelo e um verdadeiro espelho do que é ser Igreja. Não admira. Ela transportou dentro de si o Fundador e perene Fundamento da Igreja.
No fundo, isto significa que já houve alguém que conseguiu o que cada um de nós é chamado a realizar: a fidelidade a Deus.
2. Sintomaticamente, porém, não existe uma reflexão muito abundante em torno da ligação entre Maria e a Igreja. A meditação sobre Maria fica-se muito pela devoção pessoal. Esta é, sem dúvida, pertinente e deveras edificante, mas não esgota toda a fecundidade do testemunho da Mãe de Jesus. É por isso que importa apostar incessantemente na eclesialidade de Maria e na marianidade da Igreja.
Como sublinhou Bruno Forte, Ela é «o todo na parte». O todo é, obviamente, «o mistério, o plano divino da salvação, que se realiza no tempo mediante a missão do Filho eterno, saído do silêncio do amor do Pai para Se fazer homem e dar a vida ao mundo». Já a parte «é a vida da humilde escrava do Senhor». Ela converte-Se na «imagem densa pela presença não só da obra de Deus no mundo, mas também da resposta que o homem é capaz de dar a Deus».
Em Maria, é Deus que vem à humanidade fazendo-Se homem. É que, como bem anotou Edward Schilebeeckx, «o homem é a palavra de que Deus Se serve para escrever a Sua história».
Maria é essa palavra (aparentemente) silenciosa que se faz receptáculo da palavra eterna de Deus. É n’Ela que o humano atinge o maior nível de aceitação da proposta de Deus. Daí que funcione belamente como critério para aferir a fidelidade da Igreja.
No nº 6 do documento sobre o ecumenismo, o Concílio Vaticano II relembra que a Igreja vive em estado de «reforma perene». Ora, reformar é voltar a dar a forma: a forma de Cristo, a forma da Trindade.
Onde é preciso mudar? O Santo Padre sustenta que a mudança tem de ocorrer «no estilo de organização» e «na mentalidade dos membros». Duas tarefas nada despiciendas, mas bastante motivadoras.
Como referência, Sua Santidade aponta o Concílio Vaticano II, sublinhando sobretudo o seu «ritmo» e ressaltando, assim, a sua permanente actualidade e vitalidade. A melhor homenagem ao Concílio passa pela construção de «caminhos de comunhão» que permitam, na diversidade, que «todos se sintam um».
Bento XVI propõe, como primeiro passo, a «ablatio». Esta consiste em suprimir tudo aquilo que não é autêntico a fim de que possa resplandecer a verdadeira figura da Igreja.
Tudo isto requer um contínuo trabalho de purificação, de conversão, de abertura à graça. Em síntese, trata-se de assumir que é Cristo quem conduz a Igreja e que o Espírito Santo é o seu primeiro bispo: o «bispo invisível», como Lhe chamou Sto. Inácio de Antioquia.
3. Existe uma lacuna que, não raramente, muitos assinalam. Transportando a Igreja uma mensagem tão valiosa, como compreender que a sua credibilidade esteja tão afectada?
As respostas convergem, praticamente em uníssono, na debilidade do testemunho. Muitos confrontam a mensagem com as atitudes e, dado o distanciamento, propendem a abandonar.
Trata-se, aliás, de uma opção que até o Papa considera legítima. Bento XVI, na viagem que o levou à Alemanha, em Setembro de 2011, confessou: «Posso compreender que alguém diga: "Esta já não é a minha Igreja. A Igreja era para mim a força da humanização do amor. Se os representantes da Igreja fazem o contrário, não quero estar mais nesta Igreja"».
Daí a necessidade de indicar modelos de coerência, que, graças a Deus, abundam. Nenhum, porém, se iguala a Maria. O Concílio Vaticano II termina a Constituição Dogmática sobre a Igreja com um capítulo dedicado a Ela.
A mensagem que, no fundo, pretende veicular é:
1) aquilo que se diz sobre a Igreja já foi plenamente realizado por um membro da mesma Igreja; não se trata, portanto, de algo irrealizável até porque já foi integralmente concretizado na vida de Maria;
2) quem quiser encontrar um modelo para a sua vivência eclesial tem em Maria a referência maior e o auxílio supremo.
É que Maria pertence à Igreja, verdade que nem sempre parece ser devidamente valorizada. Não desejando funcionalizar a figura e a missão de Maria, o que está ao nosso alcance é corporizar um perfil mariano da Igreja.
4. Trata-se de um perfil com marcas de fidelidade e com sabor a muita beleza. Diz o Pseudo-Mateus que o rosto de Maria «era tão encantador e luminoso que tinha dificuldade em suportar a sua beleza».
Ela faz parte do mesmo povo que nós. É o seu membro mais eminente. O que Maria foi é o que a Igreja é convidada a ser. Continuamente!