1. Ainda hoje muitos se interrogam como é que um profeta incómodo foi sendo transformado num chefe poderoso. E, concomitantemente, como é que uma mensagem centrada no serviço deu lugar a uma instituição fortemente organizada e a um sistema de poder.
Como é sabido, o momento determinante é o século IV, com o fim das perseguições e a progressiva integração da Igreja no Império. Assistimos, a um tempo, à cristianização de Roma e à romanização do Cristianismo.
A Igreja passa não apenas a legitimar as decisões do poder político (mesmo as mais controversas, como a guerra e a pena de morte), mas organiza-se também internamente num sistema similar.
Quando o Império Romano se extingue, a Igreja faz subsistir, nos seus traços gerais, a sua estrutura orgânica. Também nela existe poder legislativo, poder executivo e poder judicial.
Mas, anteriormente, já tinha havido um esforço de institucionalização, embora não tão estruturado. Foi logo no século II. Dele fala-nos um livro acabado de surgir.
2. «Assim começou o Cristianismo» é o título de uma obra colectiva, que agrega nomes conhecidos como Fernando Rivas, Esther Miquel, David Álvarez, Carlos Gil, Santiago Guijarro, Carmen Bernabé, Elisa Estevez e Rafael Aguirre, que coordenou.
A institucionalização do Cristianismo arranca com força no século II. Até então, notava-se uma confluência geral no meio de importantes diferenças entre comunidades de diferente tipo: judeocristãs e helenocristãs.
Quando nos aproximamos dessa época, destaca-se, antes de mais, o grande impacto que a figura de Jesus de Nazaré provocou nos Seus seguidores.
A forma de vida daquelas comunidades, a sua organização, a aceitação do diferente (universalismo), a sua capacidade de resistência (criaram-se comunidades que sabiam fazer a leitura da realidade) e as relacões estavam marcadas pelo espírito daquele que foi o seu líder. Daí que não haja tanto a preocupação de dar catequese ou de fazer religião, mas de recuperar a dimensão profética de Jesus.
3. O Cristianismo foi o resultado de um processo complexo.
A origem foi Jesus, mas não foi fácil a articulação entre as diferentes tendências.
O encontro entre Pedro e Paulo foi a chave. Dele decorre um processo de convergência que vai desembocar na grande Igreja.
Com isto ocorre igualmente a aceitação do valor das Sagradas Escrituras.
Houve intentos de ficar apenas com um Evangelho, mas, no final, viu-se que era melhor entender tudo aquilo a partir de diferentes dimensões.
Foi aí que se procedeu à determinação de ritos própios acolhidos por tradições distintas: a Eucaristía e a criação de ministérios.
A organização foi-se, assim, consolidando até se chegar, mais tarde, à adopção de um sistema de poder.
4. A memória viva (e vivificante) de Jesus há-de ser sempre a pedra angular e a instância crítica a que tudo há-de estar submetido.
É pela Igreja que vemos Jesus. É por Jesus que urge, cada vez mais, rever a Igreja. Para que se seja outra. Para que seja ela. Igreja de Jesus. Para toda a humanidade.