O respeito pelos outros afere-se também pelo modo como falamos com eles. O amor pela pátria comprova-se pela forma como tratamos a língua.
A este nível, o panorama não é muito animador. Há um vendaval de decadência que ameaça agravar-se ainda mais.
Não estou a referir-me aos pruridos da excelência nem aos cumes da erudição. Reporto-me, tão-somente, aos mínimos das regras gramaticais.
O que se lê e o que se ouve não nos deixa descansados. Há cerca de 60 anos, quando o quadro não era tão desolador, havia quem se sentisse ofendido.
João de Araújo Correia, médico dos corpos que sabia ler as almas, confessava ser a língua portuguesa o seu «sangue materno. Quando ma ofendem, perco a serenidade».
Quem ofendia a língua ofendia-o a ele, exímio cultor da mesma. «A Língua é a minha dama. Se não fosse a Língua, que seria eu?. Se não fosse a Língua, não seria nada».
Era a esta língua pátria que recorria para dizer a vida e para tentar dizer a morte. A vida, por vezes, fazia o tremer. Já a morte sossegava-o. «Ponho-me a tremer por coisas de nada, mas se a morte se aproxima de mim, sossega-me como droga estupefaciente».
Morrer não é fácil, mas viver é muito espinhoso. O escritor, que não tinha medo da eternidade, sentia pena de não ter morrido novo. «Quase sem dar fé, quase de repente, vi-me ensarilhado numa competição de egoísmos».
É que, «ao abrigo do lar paterno, tinha eu pensado ou sentido que viver era sinónimo de sorrir. Enganei-me! O papel de viver, no palco social, é espinhoso. Cada actor, ainda que vista veludo, é mais javali do que príncipe».