Ainda será preciso inventar palavras?
Haverá quem pense que sim e o faça. A cada passo, surgem neologismos. Uns oportunos. Alguns reveladores e fecundos. Outros talvez dispensáveis.
Em qualquer caso, parece-me que mais importante que inventar palavras é perceber o sentido fundo das palavras.
Vem-me à mente um pensamento célebre de Almada Negreiros: «Nós não somos do século de inventar as palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do século de inventar outra vez as palavras que já foram inventadas».
De facto, é preciso recuperar as palavras inventadas. É que há palavras que se perdem, mesmo quando as pronunciamos.
Atendamos, por exemplo, à palavra verdade. Para a maioria, ela estriba no interesse. Tem uma geometria variável. Oscila conforme a conveniência.
Estacionemos, a seguir, na palavra humildade. Não falta quem a veja como submissão e conformismo. É sempre aos humildes que se pede que se humilhem ainda mais. Neste entendimento, Jesus não seria reconhecido como humilde, apesar de Se ter apresentado como tal. Há certos apelos à humildade que funcionam como convites à anulação da pessoa. Esquece-se, pois, que só há humildade na verdade, na autenticidade, na simplicidade. Humildade tem que ver com humus, com ligação à terra. O humilde escolhe sempre o último lugar. Será humilde o que avilta a sua consciência só para agradar ao poder?
E não deixemos de atentar na palavra palavra. A raiz hebraica dbr tanto dá para palavra como para peste. E o que abundam são palavras que empestam a convivência. A palavra é um elo, um laço. Mas há quem faça dela uma seta, uma tempestade. Há quem se sirva dela para esconder, quando ela existe para revelar. E existe quem não hesita em recorrer a ela para julgar, para condenar.
Não inventemos mais palavras. Procuremos redescobrir as palavras já inventadas.
E, antes de as usarmos, pensemos se o seu uso não irá ferir alguém. Para feridas, já bastam as da vida.