Não levem a mal, mas tenho de fazer esta confidência.
Dói muito quando se liga a televisão e se vê um povo que se arrasta à volta dos líderes na esperança de ser esclarecido, mas que acaba por ser (apenas) entretido.
Ainda gostava de saber quantos votos pode trazer a presença a pedido de um futebolista, a subida encenada a uma cerejeira, a pintura de uns murais ou de umas escadas.
Se alguns votos traz este tipo de acção, então é porque a nossa cultura cívica está muito longe da maturidade.
É por isso que, nesta campanha, não é apenas a política que está em jogo. É também a cidadania que está em questão.
Lembrei-me de Fernando Pessoa e da sua amargura perante alguns dos nossos atavismos: «Conhecemo-nos todos, ou é como se nos conhecêssemos. Por isso avaliamos do trabalho de um ou de outro segundo a nossa simpatia ou antipatia por ele — simpatia ou antipatia baseadas em elementos totalmente estranhos a esse trabalho: aspecto físico, rivalidade pessoaI, política. Se falar em António Correia de Oliveira a um republicano, por culto que seja, já sei que dirá mal dele como poeta, porque é conservador. Se falar de Aquilino Ribeiro a um monárquico, por culto que seja, já sei que dirá mal dele, porque é radical. E se em um caso ou outro não disser mal, é porque sucede ser amigo dele. Assim tudo se traduz, em fim, numa política de campanário arruinado».
Parece que temos fazer determinadas coisas porque nos habituámos a elas ou porque podemos ser penalizados se não as fizermos. Parece que não podemos ser autênticos. Parece que temos de representar. Parece que temos de criticar o outro e de nos elogiar a nós. Que seja verdade ou mentira, pouco importa.
É certo que a política também é feita disto, mas entristece ver como a substância de tudo fica à porta de uma campanha.
O que se passa no país está a ser acompanhado lá fora. Com espanto. E com preocupação. Será que só nós não damos conta da gravidade do momento?