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Sábado, 28 de Maio de 2011

1. Na altura, caminhava a década de 1980 para o seu fim, achei que, apesar do brilho da escrita, o seu conteúdo enfermava de um pessimismo impenitente.

 

Em A era do vazio, Gilles Lipovetsky apontava algumas das tendências que, então, emergiam mas que, depois, se tornaram uma espécie de dogma comportamental.

 

As instituições estavam em queda. O individualismo encontrava-se em marcha. A sedução sobrepunha-se à convicção.

 

Hoje, noto que o filósofo de Grenoble, afinal, lera a realidade com atenção. As suas palavras, no fundo, nem sequer revelavam um especial conhecimento. Mostravam, sim, um profundo reconhecimento. Limitavam-se a descrever com acerto o que o quotidiano apresentava. Não se refugiava na torre do conceito. Mergulhava no caudal, torturante, da vida.

 

 

2. Há poucos meses, Lipovetsky esteve em Portugal. Interpelado pela imprensa, verteu as suas impressões sobre a actualidade.

 

A colonização continua a ser um fenómeno. Só que já não se faz através dos exércitos. Faz-se através «da atracção, da sedução».

 

Não é preciso entrar num país com armas para o dominar. Basta entrar nele com produtos comerciais.

 

O mundo já não é bem uma aldeia, como vaticinara Marshall McLhuan. Tornou-se, tão somente, um mercado.

 

O seu poder é imenso e a sua influência nem sequer é demasiado subtil. É sobretudo muito perigosa.

 

Se repararmos bem, já não é a democracia que tutela o mercado. É o mercado que tutela a democracia.

 

É o mercado que dita regras e impõe leis. «O poder do mercado estrangula a liberdade da governação. Hoje em dia, há uma hipertrofia do mundo capitalista que faz a democracia perder o poder que tinha».

 

Já não é a política que manda. Temos todos «o sentimento de que a democracia é fraca em comparação com o mercado. Há como que uma impotência política por oposição à hiperpotência económica».

 

De certo modo, fomos nós que criámos este tipo de situação, este tipo de mercado. Mas, no presente, é este tipo de mercado que nos está a moldar a todos.

 

O mercado permite-nos satisfazer necessidades básicas. Mas a evolução que tomou impede-nos de realizar as nossas aspirações.

 

É que, talvez sem darmos conta, deixamos de ser cidadãos para nos transformarmos em consumidores.

 

O mercado foi um sonho que se está a tornar um pesadelo. Começámos por ver realizadas necessidades materiais e, de repente, verificamos que há um limite para a sua continuação. O desejo de ter rapidamente degenerou na ambição de possuir.

 

 

3. Na hora presente, tornamo-nos críticos do modelo que desenhámos. Mas nem assim conseguimos sair do cerco em que nos enredámos. Denunciamos o consumismo, mas não paramos de consumir. E sofremos imenso quando não consumimos tanto como gostaríamos.

 

Acompanhamos as revoluções no exterior, mas porventura não nos apercebemos da revolução que se vai operando no nosso interior. É que, no fundo, substituímos a felicidade pela satisfação.

 

A felicidade preenche-se com ideais. Já a satisfação limita-se aos produtos. A felicidade não dispensa o bem. A satisfação alimenta-se de bens.

 

Em suma, o mercado acena com a felicidade, mas apenas nos dá a satisfação. E, mesmo aqui, a tendência é para diminuir. A sastisfação é cada vez menor e, pelos vistos, para cada vez menos.

 

 

4. Num mundo dominado pelo mercado, tudo tem um preço e nada parece ter valor.

 

Como assinala Lipovetsky, «o mercado tem uma lógica que faz com que não se ocupe dos valores». O seu objectivo é o lucro. A sua motivação é a concorrência. Aqui, «não há valores éticos».

 

Deixámos de aspirar pelo melhor para nos concentrarmos no mais: mais dinheiro, mais dinheiro, mais dinheiro.

 

Para muitos, «não há outro fim. É o dinheiro pelo dinheiro, ganhar por ganhar. Se não ganhas, morres. A moral não existe neste terreno».

 

Daí a sensação de «uma ferida democrática que se manifesta numa decepção democrática». Há um grande afastamento e uma enorme «desconfiança em relação aos políticos».

 

As pessoas votam cada vez menos até porque sabem que a decisão não está na política. Está na economia. Está nos mercados.

 

 

6. Para Lipovetsky, a espiral dominadora do mercado e a vertigem do consumo ainda não pararam. Ainda estão na fase ascendente. E não vão ser a ética e a moral a deter o movimento.

 

Actualmente, somos impotentes para fazer recuar a loucura do consumo. E não haverá qualquer possibilidade? Só por uma «transformação do sistema escolar que leve as pessoas a encontrar um sentido para a vida para lá do consumo».

 

Por muito que nos iludamos, «o consumo não foi concebido para nos dar felicidade. O consumo significa apenas satisfação. A prova é que se pode consumir sem que se esteja feliz». 

 

Quando não se pode consumir, nem felicidade nem satisfação. E o certo é que parece que vivemos num mundo de infelizes e de insatisfeitos.

 

Há, pois, que apostar num novo paradigma de existência, menos dependente das coisas materiais. Precisamos de um novo espírito, de maior interioridade, de mais lucidez.

 

Precisamos, enfim, de reencontrar a nossa alma.

 

 

publicado por Theosfera às 18:20

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