1. Como é sabido, a humanidade vive, na hora que passa, uma efervescência religiosa muito acentuada.
As religiões (as antigas e as mais recentes) não estão circunscritas nem confinadas. Circulam por toda a parte, e a grande velocidade.
Desta proximidade nem sempre resulta uma sadia coexistência. A violência visita, com inesperada frequência, o fenómeno religioso.
Como escreveu Odon Villet, «nenhuma religião nem o exclusivo da violência nem o monopólio da paz».
A perplexidade atormenta os espíritos. Como pode a religião deixar associar-se ao derramamento de sangue?
Descansamos, muitas vezes, no vaticínio atribuído a André Malraux: «O século XXI será religioso ou não será». Devíamos, entretanto, acrescentar: «As religiões, no século XXI, serão pacíficas ou não serão».
2. À primeira vista, o primeiro impulso é para pensarmos que este género de temas se reporta a algo que acontece lá longe, na esfera das cúpulas eclesiásticas e das cátedras universitárias.
Nada mais ilusório, porém. Primeiro, porque, entre nós, já fervilha toda a sorte de vivências religiosas. E, em segundo lugar, porque, em boa verdade, nada hoje está longe. O mundo tornou-se uma imensa aldeia global. Tudo, aconteça onde acontecer, nos diz respeito.
Acresce que cada religião, sem pôr em causa a sua irredutível identidade, acaba por acolher uma certa inter-religiosidade ou inreligionação (para usar uma conhecida expressão de Andrés Torres Queiruga), no sentido de que inclui pontos de contacto e pólos de abertura com todas as outras.
3. Xavier Zubiri via em «todas as religiões uma espécie de cristianismo germinal», afirmação que o teofilósofo espanhol encarava não como denunciadora de sincretismo, mas, ao invés, como indiciadora da transcendência histórica do próprio cristianismo.
Daí que a atitude do cristianismo frente às outras religiões nunca possa ser de exclusão, mas de abertura positiva. É que Deus está sempre a revelar-Se, e a revelar-Se universalmente. «Deus está sempre revelado em todos os homens e em todas as religiões. Esta revelação é uma manifestação. Não é uma simples desvelação, mas uma manifestação dinâmica».
É neste sentido que o Concílio Vaticano II sustenta — no n. 2 da Declaração Nostra Aetate sobre a Igreja e as Religiões não cristãs —, que a Igreja católica nada rejeita do que nas outras religiões «existe de verdadeiro e santo».
Isto não contende com a admissão de diferenças e graus entre elas. Como refere Zubiri, «há diferenças profundas porque se trata de um acesso a Deus do homem concreto e não simplesmente de um homem abstracto».
4. Não podemos, pois, pautar a nossa atitude pela indiferença ou pelo distanciamento. Temos diante de nós algo que nos toca muito de perto e por onde passa o presente imediato e o futuro mais próximo.
Neste contexto, o diálogo pode assumir a forma de comunhão e a comunhão pode revestir a forma de diálogo. Paulo VI, no nº 67 da Ecclesiam Suam, expressa esta mesma vontade ao dizer que «a Igreja quer entrar em diálogo»; por isso, «a Igreja faz-se palavra, faz-se mensagem, faz-se diálogo».
É que, ao contrário do que se pensa, as diferenças também unem. Também aproximam. Também criam laços. Também geram paz!