Um discurso não pode valer apenas pelo ornamento retórico. A sensatez do conteúdo deve prevalecer sobre a estética da forma.
Daí que seja preciso ter cuidado com quem fala demasiado bem.
Não se trata de estigmatizar a arte de bem dizer. Trata-se, sim, de introduzir alguma cautela no discernimento.
A demagogia tem uma especial apetência pela retórica.
Sem uma forte componente ética, um bom discurso pode ajudar não a revelar, mas a esconder.
Um bom discurso tanto pode ajudar a difundir a melhor ideia como pode ajudar a publicitar o pior projecto.
Hitler, embora não muito dotado intelectualmente, era mestre no manuseio da palavra.
Os seus discursos eram inflamados e envolviam as assembleias, suspensas do que ele dizia.
O discurso do rei faz-se eco desta apreciação. O que Hitler dizia era mau. Mas era bem dito.
Ele não se fazia rogado e conseguia enlear até os sectores mais imprevistos.
Muito gente não saberá, mas houve um bispo que escreveu um livro acerca dos fundamentos do nacional-socialismo. No fundo, pretendia dar-lhe um enquadramento teológico.
Alois Hudal, assim se chamava o prelado, perguntava na introdução: «Não terá o Nacional-Socialismo trazido ao povo alemão uma ideia boa e válida para que o apoio ao movimento com uma atitude religiosa positiva seja não só desejável como absolutamente necessário?».
Como ponto em comum entre católicos e nazis, o antístete apontava a mesma convicção na obediência cega à autoridade.
É claro que Roma não concordou e o próprio Papa Pio XI fez sérios reparos à obra. E, apesar da simpatia inicial de Hitler (leitor compulsivo), o nazismo também não apreciou por aí além esta injecção de catolicismo na sua ideologia.
O que importa realçar é o perigo. Até as piores ideias podem contagiar quem menos se pensa.
O poder nunca deixou de suscitar uma teologia subserviente. Pela palavra. Ou pelo silêncio.