Há 37 anos, neste dia, devia estar na escola, mas fiquei em casa. Não foi por causa da revolução. Foi devido a um acidente que tivera no dia 7 de Abril, no qual fracturei o braço direito.
Como não podia escrever, o professor achou melhor que recuperasse em casa.
Mas, mesmo assim, durante a maior parte do dia ninguém na aldeia se apercebeu de nada.
As pessoas estavam nos campos e a televisão só se ligava à noite.
Só a meio da tarde, por volta das quatro horas, a minha Madrinha passou por casa e disse que alguma coisa estava a acontecer em Lisboa.
Nesses tempos, os telejornais eram às nove e meia da noite.
No entanto, nesse dia, começaram a surgir informações mais cedo. Anunciava-se, a qualquer momento, um comunicado da Junta de Salvação Nacional.
Apesar de cansados, os meus Pais foram ficando à espera e, apesar dos meus nove anos, fiquei com eles.
Até que, penso que já perto da meia-noite, a referida Junta apareceu. As atenções estavam fixadas no General António Spínola.
A única coisa que retenho do discurso foi a sua alusão à defesa da moral. Nessa altura, o meu saudoso Pai disse: «Podemos ir dormir, porque tudo vai correr bem».
E lá fomos descansar. Nos dias seguintes, tudo na aldeia continuou igual.
Havia um ambiente de incerteza, mas também uma sensação de descompressão.
A canção de Paulo de Carvalho E depois do adeus passava com insistência. Tinha sido a vencedora do Festival, ocorrido uns dias antes. Recordo que a música preferida na aldeia tinha sido No dia em que o rei fez anos, de José Cid.
Hoje em dia, por muito desinformado que alguém esteja, é impensável que aconteça uma revolução de madrugada e uma aldeia inteira só dela saiba a meio da tarde.
Outros tempos. Mas aquele dia inicial nunca se apagou da minha memória.