Um trabalhador português trabalha, em média, mais que qualquer outro trabalhador europeu e ganha, em média, metade do que este ganha.
Já um gestor público português chega a ganhar, em média, 30%, 40% ou até 50% mais que um gestor público americano, finlandês ou espanhol.
Os decisores internacionais, que vão tomar medidas para nós cumprirmos, deviam fazer o que os decisores nacionais não têm feito: cortar em quem ganha mais e aumentar a quem ganha menos. Não se vê outro modo de encurtar distâncias e anular assimetrias.
Mas o que se anuncia difere só em grau (não em substância) do que tem sido realizado: cortes para todos. Sendo assim (e se for assim), quem mais sofre é quem já mais tem sofrido.
Não admira que as pessoas tendam a desfrutar dos feriados e que até queiram acrescentar ainda mais tolerâncias de ponto. O impacto do real é demasiado doloroso. Este descanso não será tanto para repor energias, mas para esquecer (por instantes) a ditadura do real.
É por isso que temos dificuldade em ouvir quem nos alerta. E quando ficámos estupefactos com aquela senhora que defendeu a suspensão da democracia por seis meses, mal imaginávamos que ela estava a pecar por defeito.
É claro que um bastonário da Ordem dos Advogados não deve fazer exortações à abstenção. Só que, ganhe quem ganhar as eleições, o nosso futuro já está decidido. E não será decidido por nós.
Um dos partidos até já disse que o seu programa era o do FMI. Se isto não é uma capitulação...
A democracia ficará suspensa não por seis meses, mas por alguns anos.
Apesar de o resultado estar decidido, é importante participar.
A democracia pode não funcionar. Mas é fundamental que a não deixemos extinguir.
A voz do povo pode não contar. Mas é bom que, mesmo assim, ela se faça ouvir.
A democracia pode desistir de nós. Mas nós não podemos desistir da democracia.