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Quarta-feira, 16 de Março de 2011

Quando se usa a expressão caritas in veritate, percebe-se o alcance, mas adivinha-se também um certo perigo.

 

Não há dúvida de que, como diz o Papa, o amor «há-de ser compreendido, avaliado e praticado sob a luz da verdade».

 

Mas que verdade? A que eu encontro? A que surge a meus olhos como absoluta? E se o outro a contempla de modo diferente?

 

Recorde-se que, à luz da concepção grega (que radica na palavra aletheia), verdade é o que se deixa ver, é o que se desvela.

 

A verdade é, pois, predicada à realidade em si mesma e à percepção que cada um tem dela.

 

É por isso que, para mim, o outro pode não estar na verdade. Para o outro, posso ser eu a não estar na verdade.

 

Nesse caso, não vou amá-lo?

 

A expressão caritas in veritate pode sugerir, embora involuntariamente, uma certa anterioridade da verdade sobre o amor.

 

E o certo é que a história está cheia de crimes em nome da verdade. Por incrível que pareça, a verdade pretextou muitas vítimas.

 

Supostamente, quem não está na verdade merece castigo, penalização e não amor.

 

É curioso que na Bíblia (como, aliás, reconhece o Papa) aparece a expressão inversa: veritas in caritate (Ef 4, 15), a verdade no amor. 

 

É, portanto, na escola do amor que se apreende a verdade.

 

Quando foi preciso dizer quem é Deus, S. João recorreu à linguagem do amor. Deus é amor (cf. 1Jo 4, 8.16).

 

A verdade acerca de Deus está no amor.

 

É por isso que a verdade que liberta é o amor, o amor que se dá sem medida.

 

O amor da verdade é inseparável da verdade do amor.

 

O amor da verdade não me inibe de propor ao outro aquilo em que acredito. Mas a verdade do amor impõe-me que eu respeite o outro mesmo que ele acredite no oposto.

 

Daí que Yves Congar tenha preconizado, como primeira condição da reforma da Igreja, a caritas, ou seja, «aquele amor desinteressado e realista que quer apenas o bem do outro».

 

Desligada do amor, a verdade apura-se ao modo de uma sentença judicial. Acaba por ser a autoridade a decidir por um dos lados.

 

Ora, a essência da verdade é o encontro potenciado pelo amor. Por vezes e como escreveu Wiliiam Carlos, «até a dissonância conduz à descoberta».

 

Num refrescante livro que acaba de aparecer entre nós, Timothy Radcliffe sublinha que «a atenção ao outro exige que eu aceite que ele se agarre firmemente a verdades que não se ajustam facilmente com aquilo em que eu acredito».

 

De resto, o Reino de Deus é espaçoso. Nele, há lugar para todos.

 

É, por conseguinte, o amor que verdadeia a própria verdade. Torna-a mais verdadeira, mais autêntica, mais universal.

 

O amor não permite que se exclua, que se persiga, que se condene.

 

O amor está sempre na verdade. E a verdade só pode estar no amor.

 

Quando tudo acabar, como anota Paulo, só o amor permanecerá.

 

O amor é a base de tudo. Inclusive da verdade.

 

Há sempre verdade no amor. Necessário é que não deixe de haver amor na procura e na partilha da verdade.

 

A verdade não se pode impor por meios coercivos. Só se pode partilhar através do amor, que dá e recebe, que fala e escuta, que encontra e não cessa de procurar.

 

Uma boa síntese prospectiva de tudo isto poderá ser a recomendação de Agostinho: «Vivei vidas cheias de bondade e mudareis os tempos».

 

O caminho não é tanto a repetição de verdades para os outros. O caminho terá de ser sobretudo a vivência da verdade junto de todos. Pela bondade, pelo amor.

 

Assim, quando usarmos a expressão caritas in veritate, não esqueçamos que ela postula, imperativamente, a correspondente (e matricial) veritas in caritate.

 

No amor está a verdade!

publicado por Theosfera às 00:12

De António a 16 de Março de 2011 às 16:20
No Amor está a Verdade,sem dúvida. Quando em nome de Deus se matou, se perseguiu e se anatemizou todos quantos pensavam diferentemente, nenhuma verdade estava presente nesses reprováveis actos. A História mostra que foram muito poucos aqueles que se comportaram como verdadeiros cristãos...

De Theosfera a 16 de Março de 2011 às 16:33
Tem toda a razão, bom Amigo. Acredite que convivo com muita dificuldade com esse «histórico» da Igreja e coma algumas sequelas que se dilatam pelo tempo. Quando se deixa de respeitar o outro em nome de uma presumida verdade, estamos no zénite da iniquidade.
Obrigado por tudo. Abraço amigo no Senhor.

De António a 16 de Março de 2011 às 18:52
O estimado Padre João António evoca permanentemente os melhores valores do Cristianismo. Por isso é que, quando aqui retorno, sinto neste maravilhoso blogue a Presença de Deus. Há aqui uma Luz e uma Mansidão únicas, que raramente encontro em qualquer outro espaço católico e cristão. Sou normalmente bastante crítico e até severo quando vejo atitudes apregoadas em nome de Deus que verbero. Mas aqui não. Tudo nesta Theosfera é belíssimo em termos da mais genuína e pura Palavra de Deus.Bem haja.Abraço amigo...

De Theosfera a 16 de Março de 2011 às 19:21
Comovidamente, obrigado. Do fundo do coração. Abraço amigo no Senhor.


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