Se a maior oposição a Jesus veio da parte do poder, pode espantar que, ao longo da história, a Igreja de Jesus se tenha erigido, ela própria, em estrutura de poder.
Roma marcou, aqui, uma posição decisiva. Houve não apenas a cristianização de Roma, mas também a romanização do Cristianismo.
Diga-se que, desde o princípio, sempre existiu uma organização nas comunidades cristãs. E, no âmbito de tal organização, não deixou de haver tensões. O caso de Corinto é, porventura, o mais conhecido.
Não há dúvida, porém, de que o impacto de Roma marcou uma viragem decisiva.
Inicialmente, os cristãos foram perseguidos pelo império. A partir de Constantino (313), começaram a ser integrados. E o modelo da estrutura eclesiástica passou a ser o império romano.
Era como, no dizer do historiador Laboa Gallego, a coroa de espinhos tivesse ficado em Jerusalém para ser trocada pela tiara, símbolo da potestade papal.
É claro que há sempre o risco de algum simplismo. Mesmo em Roma, nunca deixou de haver quem mostrasse sensibilidade pelo despojamento original da Igreja.
Mas é inegável que a marca do poder romano ficou impressa na configuração da Igreja.
O Concílio Vaticano II procurou assinalar, na linha da reflexão teológica que vinha a ser feita, a chamada refontalização.
Sucede que este regresso às fontes incidiu, prioritariamente, sobre a doutrina, sobre a concepção da própria Igreja.
Falta, entretanto, extrair a totalidade das ilações de tal refontalização no que respeita à organização eclesial.
Para isso, seria importante voltar a Jerusalém, onde aliás ocorreu o primeiro Concílio (cf. Act 15).
Não se trata de regressar para lá ficar. Mas de regressar para de lá, de novo, partir.
Muitas vezes, já não nos apercebemos de como funciona uma hermenêutica de poder, em que é a autoridade que tudo decide. Ora, o Espírito que assiste a Igreja não deixa de inspirar todos os seus membros.
Seria importante que, olhando para Jesus, se meditasse bem na forma como Ele Se relacionava com as pessoas.
Daí a necessidade de se prestar mais atenção aos estudos de exegese.
Não podemos capturar Jesus nos nossos arquétipos institucionais. Jesus é o critério para nós. Não somos nós o critério para Jesus.
A Igreja não é um mero sistema cristocrático, como se Jesus Cristo fosse o inspirador de um determinado modelo de poder.
A preocupação de Jesus foi sempre, respeitando o poder constituído, estar ao lado das pessoas. Nunca alimentou pretensões de poder.
No momento supremo, teve até o cuidado de sublinhar que o Seu Reino não era deste mundo (cf. Jo 18, 16).
Como Jesus foi a transparência do Pai, a Igreja só ganha se procurar ser a transparência de Jesus. Na doutrina, sem dúvida. Mas também na prática. Na opção pelos pobres. No despojamento. Na simplicidade.