1. O anti-semitismo parece ultrapassado, mas a sua memória ainda perdura.
Faz, por isso, sentido que o Papa, no novo volume sobre Jesus de Nazaré, defenda que a condenação de Cristo à morte não pode ser imputada aos judeus.
É que, para nosso pesar, as raízes do anti-semitismo remontam a ambientes cristãos.
A morte de Cristo era atribuída aos judeus em geral, levando a fazer cair sobre aquele povo uma espécie de infâmia permanente e maldição eterna.
Logo no século II, alguma pregação cristã lançou a acusação de deicídio sobre o povo judeu.
Aliás, os mais adiantados em anos ainda se lembram de uma oração de Sexta-Feira Santa que mencionava os «pérfidos judeus». Só em 1959, foi eliminado tal adjectivo, numa decisão do bom Papa João XXIII.
2. Aos judeus foi dada ordem de expulsão de países onde tinham vivido muito tempo.
Tiveram de sair da Inglaterra (1290), da França (1394), da Espanha (1492) e de Portugal (1496).
Os guetos, donde muitos judeus transitaram para os campos de concentração durante a segunda guerra mundial, são uma criação papal.
Foi, de facto, o Papa Paulo IV que, em 1555, criou o tristemente famoso Gueto Romano, obrigando os judeus a viver numa área limitada.
Só no fim do século XIX foi permitido aos judeus de Roma habitar em qualquer parte da cidade.
Estima-se que, antes do Holocausto, tenham sido mortos sete milhões de judeus. A este número Hitler acrescentou mais seis milhões!
Apesar disso, em 1970, um jornal alemão insistia ainda na atribuição aos judeus da responsabilidade pela morte de Jesus.
Esta generalização ignora, desde logo, que o próprio Jesus era judeu.
Pinchas Lapide recorda, a propósito, que «o Cristianismo é a única religião cujo fundador pertenceu, durante toda a sua vida, a uma outra religião».
Jesus, com efeito, nunca renegou o Judaísmo. Desde o princípio, fez questão de ressalvar que veio não revogar, mas completar a religião em que nasceu (cf. Mt 5, 17-18).
Ora, uma das reformas que introduziu foi o amor ao próximo. Pouco antes de expirar, ainda encontrou forças para implorar: «Senhor, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem» (Lc 23, 34).
Se Jesus ofereceu o perdão aos contemporâneos que O mataram, que razão justificaria a perseguição movida às gerações seguintes, que nenhum envolvimento tiveram na Sua morte?
Acresce que foram judeus aqueles que O acompanharam no caminho para a Cruz. E foram também judeus aqueles que não O abandonaram junto à Cruz.
3. Por outro lado, importa não esquecer que a morte de Jesus não foi decidida apenas por um tribunal judaico. A condenação foi formalizada pelo poder romano.
É estranho, por isso, que Pilatos tenda a ser apresentado como um moderado que condenou Jesus a contragosto.
Sucede que esta percepção não corresponde ao perfil que a história nos dá a seu respeito.
Flávio Josefo descreve-o como um déspota brutal. S. Lucas refere que mandou matar judeus (cf. Lc 13, 1).
Uma carta escrita ao imperador Calígula assinala que Pilatos era «impiedosamente duro», sendo a sua acção marcada pela «corrupção, pela violência, pelo roubo, pela opressão, pelas execuções constantes sem julgamento e por uma crueldade ilimitada e intolerável».
4. A morte de Jesus não foi requerida pelo povo judeu. Foi exigida por aquilo a que Bento XVI chama «a aristocracia do templo de Jerusalém».
Tratou-se, portanto e por incrível que pareça, de uma iniciativa do poder religioso.
O poder religioso propôs e o poder político não se opôs.
Dá que pensar. A maior oposição a Jesus não veio do povo. Veio do poder. A começar pelo poder religioso!