Exilado num tempo que mal conheço e asilado num mundo em que dificilmente me reconheço, dou comigo, amiúde, a recordar tardes de domingo da minha adolescência.
Naquela altura, era a única altura em que se podia ouvir rádio. E ouvir rádio, nas tardes de domingo, era ouvir futebol.
Enquanto o olhar lobrigava horizontes rasgados pelo sol, os ouvidos colavam-se ao transístor.
Os relatos chegavam de um lado, mas os golos atropelavam-se de quase todos os lados.
Sendo os jogos quase todos à mesma hora (três da tarde), aqueles momentos tornavam-se uma torrente de vibração.
Eram domingos em que o diálogo se fazia a partir do que a imaginação figurava desde longe.
Eram domingos em que, parafraseando a composição de Eduardo Olímpio musicada por Paco Bandeira, «íamos ao campo e éramos felizes».
Também havia domingos com «piquenique e grafonola» e «o Benfica que vai pagá-las em Alvalade».
Eu achava graça a esta última parte, até porque raramente acontecia. Mas, pelo menos, os ouvidos ficavam um pouco extasiados.
Já agora, a parte mais bonita da canção era o remate: «Aos domingos há o canário que, na gaiola, canta a canção de mais um dia de liberdade».
Tudo isto vem a propósito de mais um jogo entre Sporting e Benfica (não digam Sporting contra Benfica), agendado para uma segunda à noite.
Haverá os seus motivos, mas nada que se compare àquelas partidas das tardes de domingo, em que nada acabava mal mesmo se nem tudo corresse bem.
O Sporting podia não ganhar, mas a amizade e a convivência venciam sempre. À volta de um pequeno rádio de pilhas.