Ainda a viver a euforia da libertação, o Egipto está a passar pelo risco de um novo cativeiro. De um duplo cativeiro, aliás.
A revolução egípcia, com efeito, está a ser cativada, na hora que passa, pela questão do poder e pela questão da interpretação.
Tudo previsível, diga-se.
Afastado Mubarak, o país e o mundo querem saber quem manda. Devia ser quem serve, mas o poder como serviço ainda está longe em toda a parte.
Já houve quem notasse que, nesta epopeia, ainda não emergiu um líder incontestado.
ElBaradei tem sido, argutamente, modesto e a Irmandade Muçulmana procura (deliberadamente?) exorcizar qualquer protagonismo liderante.
Isto até pode ser positivo. É sinal de que a situação não está resolvida e de que o futuro permanece em aberto.
A transição será um teste fundamental. Há alguma impaciência. O presidente saiu, mas a estrutura permanece.
De certa forma, é compreensível. Mas há quem anele por mais celeridade. A constituição foi suspensa, o parlamento foi dissolvido e o processo eleitoral parece garantido.
Hoje, houve indicadores preocupantes com a troca de tiros entre o exército e a polícia. Esperamos que não haja continuidade e que a normalidade seja restabelecida.
Alguém tem de assegurar a transição e, em princípio, o exército parece gozar de boa reputação entre o povo.
Mas não é só do poder que se querem apropriar. É também da interpretação dos factos.
As reacções de regozijo envolvem sectores ideologicamente contrários. Tão contentes parecem estar os Estados Unidos como o Irão.
Os acontecimentos aparentam estar a ser capturados por alguns preconceitos, esquecendo que algo novo terá emergido.
Não falta quem esteja à espera (uns com entusiasmo, outros com receio) de uma revolução islâmica do género da do Irão de 1979.
Sendo um país onde o Islão é dominante, muitos estavam à espera de um maior radicalismo.
É preciso dizer que o Islão está longe de ser um fenómeno uniforme e que, na sua génese, propugna a sã convivência.
Basta ler os textos e olhar para vários períodos do passado. A forma, por exemplo, como respeitaram os cristãos ao chegarem e Jerusalém é elucidativa.
Tudo isto só mostra que a história não é um sistema fechado. Ela está em aberto. E nem sempre as surpresas são más.
Tentemos calar os preconceitos. Não consintamos que eles capturem a realidade.
Deixemos falar os factos. Depois, falemos nós.