O acontecimento de Deus nos acontecimentos dos homens. A atmosfera é sempre alimentada por uma surpreendente Theosfera.

Sábado, 19 de Junho de 2010

1. Não se pense que Deus só está presente na vida daqueles que O confessam. Ele está também — e bastante — no coração dos que O negam.

 

Entre a fé e o ateísmo, há uma simetria na experiência e, ao mesmo tempo, uma assimetria na direcção que ela acaba por tomar.

 

É por isso que Miguel Torga bem pode servir de fonte de inspiração para sintetizar a trajectória (a)teologal de José Saramago: «Deus. O pesadelo dos meus dias. Tive sempre a coragem de O negar, mas nunca a força de O esquecer».

 

Saramago nunca esqueceu Deus. Mesmo (sobretudo?) quando se assumiu como ateu.

 

E o certo é que foi dos escritores que, nos últimos tempos, mais concorreram para a permanência da questão de Deus como questão central na literatura e, mais vastamente, na vida pública.

 

Acerca de Deus, como alertou Xavier Zubiri, o mais difícil não é descobri-Lo; é encobri-Lo.

 

Se quisesse encobrir Deus, o ateu — sublinha Karl Rahner — «não só teria de esperar que essa palavra desaparecesse por completo, mas também deveria contribuir para esse desaparecimento, guardando completo silêncio, abstendo-se inclusive de se declarar ateu».

 

 

2. No fundo, José Saramago não deixava de ser crente. Acreditava que Deus não existe. Poderá alguém garantir mais do que isto?

 

A crença não é um exclusivo da atitude teísta. Ela abrange também (e bastante) a posição ateísta.

 

André Comte-Sponville, que se considera ateu, assegura que o ateu só pode dizer que acredita que Deus não existe.

 

É que, como nota Hans Küng, «se todas as objecções dos ateus tornam questionável a existência de Deus, não chegam, contudo, a tornar inquestionável a Sua não-existência».

 

Xavier Zubiri assinalava que a relação com Deus pode fazer-se pela via da afirmação, pela via da negação e até pela via da indiferença.

 

Nesta diversidade, os pontos de contacto não escasseiam. Miguel de Unamuno percebeu isto muito bem quando rubricou a célebre frase: «Nada nos une tanto como as nossas discordâncias».

 

A indiferença não foi, seguramente, a via seguida por José Saramago.

 

Deus nunca lhe foi indiferente. Pelo contrário, manteve com Ele uma relação intensa, embora tumultuosa.

 

 

3. Para Saramago, o Homem relativamente a Deus é como o murmúrio de uma ausência: «Deus é o silêncio do universo e o ser humano o grito que dá sentido a esse silêncio».

 

Nos Cadernos de Lanzarote, chegou a escrever que «a existência do Homem é o que prova a inexistência de Deus».

 

Mas não há tantos que fazem exactamente a prova do contrário? Não são tantos os que encontram no Homem a maior epifania de Deus?

 

No passado, Gregório de Nissa falava do Homem como «pequeno Deus» e, mais perto de nós, Xavier Zubiri, apontava o ser humano como «maneira finita de ser Deus».

 

Aqui, prova funciona não como evidência, mas como percepção.

 

A discussão jamais estará concluída. Como refere Philippe van den Bosch, «não há qualquer prova racional da inexistência de Deus. Não há senão convicções individuais e pressupostos».

 

 

4. O que há a destacar é a persistência da procura e a insatisfação do encontro que, por sua vez, desencadeia uma nova procura.

 

Nesta inquietação não laboram apenas os que negam. É conhecido o convite de Santo Agostinho: «Procuremos como quem há-de encontrar e encontremos como quem há-de voltar a procurar».

 

O ateu é alguém que não descansa na procura. É inquieto e inquietante. As suas interpelações não anulam a fé. Espevitam-na e ajudam ao seu aprofundamento.

 

Até o ateu mostra que Deus é uma questão humana. Deve  ser também uma questão humanizante, fraternizante.

 

Nem sempre é o isso o que se vê. Deus é vítima de tantas imagens desfocadas e de tantos discursos distorcidos.

 

Em qualquer caso, Ele está em todos. Nos que dizem acreditar. E nos que, não dizendo, acabam por não estar longe d’Ele!

publicado por Theosfera às 19:36

De Mª Amélia a 20 de Junho de 2010 às 02:17
Rvmo Sr. Padre João António, permita-me, por favor que coloque, neste espaço um belíssimo texto, relativamente ao Ano Sacerdotal, que agora termina, em homenagem a todos os Sacerdoters do Mundo Inteiro:

Deus (sempre) escreve "Direito por linhas tortas"
DN 2010.06.14 JOÃO CÉSAR DAS NEVES
(Adaptado)

(...)o cristianismo é a única ideologia que hoje se pode atacar sem violar a tolerância (...) nele o padre é o aspecto mais desprezado. No Ocidente, a Igreja (...) não goza do estatuto protector de(qualquer) minoria. Qualquer bizarria está mais defendida de críticas que ela. Tendo sido cultura dominante durante séculos, a crítica ao catolicismo é, no actual quadro de rebeldia adolescente, emblema de modernidade e progressismo, mesmo entre católicos. Aquilo que seria intolerável contra outros grupos sociais é comum com a Igreja em geral, e os padres em particular. Eles são, pode dizer-se, a menos respeitada de todas as profissões aceitáveis. Admira-se este ou aquele clérigo, mas o conjunto (será?) não presta?! Assim, a surpreendente decisão de Bento XVI(organizar um "Ano" de celabrações dedicado aos Sacerdotes) inclui uma serena mas contundente provocação(pelos vistos) à opinião dominante, levando os fiéis a meditarem sobre tudo o que a comunidade recebe das mãos e ministério dos sacerdotes.
Só que aquilo que devia ser um período de reflexão, gratidão e celebração transformou-se num momento de terrível pressão mediática. Os escândalos de pedofilia centraram as atenções nos padres, mas pelas piores razões. Chega-se a duvidar se, afinal, será profissão aceitável.
Este contraste entre propósitos e resultados chega para marcar este na longa história dos anos comemorativos. Não haverá outro em que o desvio seja maior. Isto não se deve a uma coincidência, porque realmente não aconteceu nada. Os factos que suscitam as acusações são antigos, alguns muito antigos, a ponto de nem permitirem investigações policiais. As notícias não são novidades. O único motivo está no interesse dos jornalistas, que decidem concentrá-las agora. Também é difícil sustentar a tese de cabala organizada, sendo impossível orquestrar uma campanha de tal dimensão.
O mais surpreendente no episódio é, assim, ele parecer genuinamente fortuito. Claro que o quadro cultural ajuda. Se os jornais procurassem casos de pedofilia de professores, médicos ou outros (que os poucos estudos sérios indicam serem bastante mais frequentes), ninguém se lembraria de deduzir daí consequências sobre a respectiva classe profissional. Aliás, se o fizessem, imediatamente apareceriam as competentes organizações sindicais a criticar abespinhadamente tais insinuações. Mas os padres não se defendem. Chocados com o comportamento dos colegas, batem no peito e baixam a cabeça. São os únicos profissionais que sofrem vergonha e responsabilidade por actos de outros.
Deste modo, o caso concede autorização aos inimigos da Igreja para insultar alegremente todo o clero, e até a instituição, sem temer resposta. Pior, se alguém disser que assim se conspurca uma multidão de inocentes por causa de um punhado de criminosos, logo se acusa de insensibilidade ao horrível sofrimento das crianças. É espantoso, mas existe mesmo muita gente capaz de retirar consequências para a doutrina e a hierarquia católicas destes poucos e velhos comportamentos aberrantes. Será que também duvidam da educação e medicina por existirem profissionais perversos?
Noutro sector isto não passaria de uma falhada operação de relações públicas. A Igreja, também nisto, é diferente. Que os nossos padres, totalmente inocentes, tenham sofrido terrível vitupério simplesmente por serem o que são, logo no ano que lhes era dedicado, é um mistério espantoso. Afinal, na perspectiva cristã, (centrada na cruz), o ano sacerdotal correu (mesmo) bem.



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