1. Entre a crise que não nos larga e o futebol que não nos deixa, mais um feriado.
Bem recebido por um povo cansado e com a alma abatida, ele serve, acima de tudo, para repousar. Quiçá, para afogar as mágoas e verter, ainda que escondidamente, algum pranto.
Bem tentam alguns que o feriado sirva também para celebrar e, nessa medida, para reflectir.
Mas estas não são, consabidamente, as nossas prioridades. Quando chega um feriado, o habitual é o deserto invadir as ruas e o tédio encobrir as almas.
2. O feriado do 10 de Junho é um feriado sobre nós, sobre Portugal.
Tirando as cerimónias e discursos oficiais, além de mais um estendal de condecorações, que vestígios há de uma paragem para reflectir?
No limite, cada um vai meditando sobre si e sobre os seus. Os problemas de cada um já são suficientemente aflitivos. Pouco — ou nenhum — espaço sobra, assim, para a comunidade.
E, no entanto, Portugal, na hora que passa e parafraseando Alexandre O’Neill, é uma questão que cada um transporta consigo mesmo.
Trata-se de uma questão momentosa e, aparentemente, insolúvel. A bem dizer, somos uma contradição contínua.
Fazemos publicidade ao território, mas temo-lo cada vez mais despovoado.
Gostamos muito do nosso país, mas, para progredir, temos de ir cada vez mais lá fora.
Não é de agora este nosso destino. É de há muito. É de sempre. Já o Padre António Vieira condensava com a mestria do seu génio: «Para nascer Portugal, para morrer o mundo».
Somos, pois, um povo pequeno, mas que, mesmo assim, não cabe em si.
Agigantamo-nos lá por fora e, não obstante, parece que nos acanhamos aqui dentro.
Conseguimos dar novos mundos ao mundo e, apesar disso, não resolvemos os problemas que asfixiam o nosso viver comunitário.
Dizem-nos que somos um país adiado, mas, nesse caso, já o somos há muitos séculos.
3. Houve algum momento em que Portugal não esteve em crise? Em que altura não se disse que vinham aí tempos difíceis?
A tudo temos sobrevivido. Temos sobrevivido à realidade, cruel. E temos sobrevivido aos diagnósticos, nada estimulantes.
Como refere Romana Petri, parece que já não há heróis e que dá a impressão de que o futuro acabou.
Quanto ao passado, também não se insiste muito. Navegamos à vista, nas ondas de uma conjuntura que não empolga, mas que também não nos anula.
Somos uma terra que se estende por todas as terras. E constituímos uma pátria em que se acolhem filhos de muitas pátrias.
Somos, por isso e como afirmava o Padre Manuel Antunes, uma excepção.
Formamos um país que «não é muito compreendido nem por estranhos nem por si próprio, um país, ao mesmo tempo, cêntrico e periférico».
Transportamos um paradoxo vivo. Somos «um povo místico mas pouco metafísico; povo lírico mas pouco gregário; povo activo mas pouco organizado; povo empírico mas pouco pragmático; povo de surpresas mas que suporta mal as continuidades, principalmente quando duras; povo tradicional mas extraordinariamente poroso às influências alheias».
4. Há já várias décadas, Manuel Antunes assinalava a chegada da «hora da acção».
Anotava, porém, que essa acção tinha de ser acompanhada pela reflexão.
Hegel avisa-nos de que se aprende muita história, mas que se aprende muito pouco com a história.
No fundo, resumimo-nos de mais, como recentemente alertava D. Manuel Clemente.
Mas é neste resumo que continuamos a sentir Portugal, a fazer Portugal e, não raramente, a chorar Portugal.
Tantas vezes, são essas lágrimas que nos identificam e pacificam. Aquilo que soa a desespero acaba por saber a esperança.
Apesar das tardes sofridas, acreditamos sempre que uma manhã radiosa voltará a brilhar.
É por isso que nunca desistimos de nós. É por isso que, não obstante as nuvens, há sempre um Portugal a nascer em milhões de corações espalhados pelo mundo!