1. Jesus Cristo está presente na Igreja.
Mas esta presença, que é real, não é automática. Ela pode, inclusive, ser ofuscada.
Ela ocorre na base de um dom e sob a égide de um compromisso. Se este falha, aquele, mesmo subsistindo, fica sem interlocutor e, portanto, sem visibilidade.
Não basta, pois, invocar a pertença à Igreja para presumir a transparência de Cristo.
É preciso não esquecer que, como ainda recentemente avisou o Papa, o pecado também invade a Igreja.
É por isso que, desde o princípio, se insiste tanto no testemunho e na conversão.
Jesus mostra-nos o que é a Igreja. Mas será que a Igreja nos mostra sempre quem é Jesus?
Nunca percamos de vista que não é a Igreja o critério para Cristo; Cristo é que é o critério para a Igreja.
2. Esta preocupação deve acompanhar-nos sempre e gerar em nós uma sadia inquietação.
Será que, no fundo, conhecemos bem Jesus Cristo? E será que conhecemos tudo sobre Jesus Cristo?
Vinte séculos de experiência podem dar a entender que a novidade se escoou. Daí que seja da maior pertinência prestar atenção ao que Albert Nolan, teólogo dominicano, nos diz num precioso livro a que deu o sugestivo título Jesus antes do Cristianismo.
Começa o autor por apontar para o óbvio quando assinala que Jesus «ergue-Se acima do Cristianismo como juiz de tudo o que este fez em Seu nome».
Acresce que «o Cristianismo histórico tão-pouco O pode reivindicar como sua propriedade exclusiva. Jesus pertence a toda a humanidade».
Impõe-se, assim, alargar incessantemente o nosso olhar para antes e para fora.
Isto não significa que o que nos tem sido mostrado não seja relevante. Mas será possível aprender ainda mais e ver ainda melhor.
Ninguém questionará que não é o Cristianismo a luz para compreender Cristo. Cristo é que é a luz para compreender o Cristianismo.
3. Quando deixamos Jesus falar por Si próprio, aparece-nos alguém de uma independência assombrosa e de uma coragem extraordinária.
Jesus é um mestre que não fica impressionado com o saber dos mestres. Pelo contrário, questiona permanentemente esse saber, demasiado aprisionado pela Lei e pouco voltado para a Vida.
Como nota Albert Nolan, Jesus nunca deixou de «manifestar as Suas convicções».
Jamais deu sinais de medo. Não teve medo, com efeito, «de provocar um escândalo, de perder a Sua reputação nem de perder a Sua própria vida».
Curiosamente, eram as pessoas religiosas as que mais se incomodavam com Ele. «Nada fez para alcançar o mínimo prestígio aos olhos dos outros. Ele não procurava a aprovação de ninguém».
4. Não espanta que tivesse problemas com as autoridades. Para Jesus, o importante não é a autoridade, mas a verdade.
Ele «proclamava a verdade sem hesitar, quer utilizasse os métodos persuasivos da parábola, quer o tom mais directo das Suas outras palavras».
A única autoridade à qual apelava «era à autoridade da própria verdade. Ele não fazia da autoridade a Sua verdade, mas da verdade a Sua autoridade».
É a autoridade que nasce da verdade. Não é a verdade que nasce da autoridade.
Em Jesus, não existe automatismo da verdade a partir da autoridade. Só há autoridade em quem se dispõe a procurar (e sobretudo a viver) a verdade.
E em que consistia a verdade? Na compaixão.
Em Jesus, «era o próprio sentimento de compaixão de Deus que O possuía e preenchia. Todas as Suas convicções, a Sua fé e a Sua esperança eram expressões desta experiência fundamental. Se
Deus é compassivo, então a bondade triunfará, o impossível acontecerá e uma esperança brotará para o género humano».
5. Será que é desta verdade que procuramos dar testemunho? Cristo está, sem dúvida, presente na Igreja. Mas será que a Igreja está sempre presente em Cristo? Será que, para nós, a compaixão é a base da verdade?
Acreditar em Jesus «é acreditar que a bondade pode triunfar e triunfará sobre o mal».
Assim sendo, a fé é «o poder da bondade e da verdade».
É isto o que se vê em Jesus. Será isto o que se vê na Igreja de Jesus?
Não aprisionemos Jesus dentro da Igreja. E deixemos que a Igreja se liberte a partir de Jesus!