1. São os textos do Papa bastante lidos e abundantemente citados. Há um livro, porém, que permanece misteriosamente desconhecido aos olhos de muitos: o livro da sua pessoa.
Esta mantém-se encoberta por uma nuvem espessa de lugares-comuns. Daí a surpresa que o contacto pessoal manifesta. Afinal, aquele que parece distante até se revela próximo e deveras afável.
É, sem dúvida, um homem de pensamento. Mas — assegura quem priva com ele — consegue aliar a complexidade do pensamento à simplicidade do coração.
Não foi ele que escreveu, na sua primeira encíclica, que «o programa do cristão é o coração que vê»?
2. Bento XVI não é o responsável pela crise da Igreja. É, pelo contrário, um dos mais inconformados diante dela.
É corajoso. Não se importa de estar em minoria. Proclama o que crê e diz o que sente. Aponta para o essencial. É incompreendido e contestado. Não teme ser impopular.
Poucos como ele têm tido o desassombro de descrever a situação da Igreja sem o menor subterfúgio ou o mais leve rodeio.
3. Não esconde que o problema da Igreja é sobretudo interno. Frequentemente, ela é uma oportunidade transformada em obstáculo: «Se, antigamente, a Igreja era, incontestavelmente, a medida e o lugar do anúncio, agora apresenta-se quase como o seu impedimento».
Não é ao clero que cabe prescrever o que é ou deve ser a Igreja». O sacerdócio não é uma estrutura de poder nem tampouco uma instância de decisão. É, antes de mais, a sinalização «do vínculo da Igreja ao Senhor Jesus».
Falando, muitas vezes, em contracorrente, está atento ao que se passa na humanidade. O seu campo de intervenção vai do templo ao tempo e do culto à cultura.
Por isso é que os seus interlocutores de eleição tanto são Agostinho, Tomás de Aquino e Boaventura como Nietzsche, Heidegger e Habermas.
4. Esta viagem não cumpre apenas um roteiro por vários lugares. Ela é, fundamentalmente, uma peregrinação pelos dramas, pelos anseios e pelas expectativas que se alojam na alma sofrida de tanta gente.
Ocorrendo a visita num momento difícil para o país e para a própria Igreja, ela configura um momento de esperança.
Muito tem alertado o Papa para os perigos do relativismo. Mas não tem deixado de vincar, ao mesmo tempo, a centralidade da relação. «A grandeza da humanidade determina-se essencialmente na relação com o sofrimento e com quem sofre».
É que «uma sociedade que não consegue aceitar os que sofrem e não é capaz de contribuir, mediante a compaixão, para fazer com que o sofrimento seja compartilhado e assumido mesmo interiormente é uma sociedade cruel e desumana».
No fundo, o Papa insiste na urgência de descentrar a Igreja de si mesma recentrando-a em Deus e no Homem.
Para um cristão, o Mundo não é o adversário e o Homem há-de ser o caminho. Fora do Mundo e longe do Homem, não há Igreja.
A Igreja é - terá de ser sempre - a presença de Deus no Mundo e a incarnação do amor apaixonado de Deus pelo Homem.