Desde há muito que penso que um dos melhores colunistas do país escreve num (quase) escondido suplemento de um semanário.
Não sei se José Manuel dos Santos é muito ou pouco lido. Mas merece ser apreciado. Pelo conteúdo, sempre pertinente. E pela forma, bastante elegante e, não raras vezes, sublime.
O texto de hoje assume traços cortantes de pertinência. «Aquilo que mais assusta nestes dias em que tudo corre mal é o rio de lugares-comuns e frases feitas».
Mas o enquadramento dá, desde logo, que meditar: «Os deuses, cruéis quando não são ausentes, nisto foram bondosos para os homens. Deram aos que têm génio o conhecimento de o terem, mas privaram os medíocres da consciência da sua mediocridade. Por isso os ouvimos dizer tudo o que os mostra nulos e vazios, como se estivessem a dar a solução para o problema e o remédio para o mal. Afinal, no ser isto assim, talvez esteja a prova mais cruel da crueldade dos deuses: recusam a estes cegos a escuridão que lhes revelaria a cegueira, trocando-a por uma luz falsa que lhes falseia os próprios olhos».
Sucede que que esta mediocridade tende a ocupar o espaço todo e a anular a presença de quem quer que seja.
Só a mediocridade consegue o pavoroso prodígio de se deslumbrar consigo mesma.
A mediocridade não sabe que é medíocre e não suporta que alguém a avise.
Daí o panorama desolador que o articulista não se exime de descrever: «Não há uma ideia a que se possa dar esse nome. Não há uma análise a que se junte uma descoberta. Tudo é repetição e resto. Tudo se escuta, nada se retém, senão o tédio de ter escutado aquilo que não adianta nem atrasa. Tudo o que levou ao desastre continua igual ao que era. Enquanto prossegue o espectáculo da avidez que mata a galinha e do impudor que a quer continuar a pôr ovos de ouro, ensaiamos um marcar-passo que, dando-nos a sensação de movimento, não é marcha nem avanço. Esta é a hora dos fantasmas: assistimos ao desfile dos mesmos rostos mortos, num filme que acelera a sua passagem, tentando, em vão, dar-lhes um simulacro de vida».
Talvez a conclusão seja demasiado contundente. Mas alguém negará que estamos diante de uma leitura coada de suprema acutilância?