1. Pode parecer despropositado, nesta época do ano, trazer à colação o tema da descristianização.
Praticamente não há casa onde não entre a Cruz. As ruas enchem-se de gente e continuam a abundar os sinais de fé.
E, no entanto, não falta quem, de forma recorrente e com intensidade crescente, alerte para a descristianização da sociedade.
Começando por um esboço do conceito, descristianização será um movimento de negação ou apagamento das referências a Cristo.
Será que se pode falar com acerto de um apagamento de Cristo na vida das pessoas e na própria sociedade?
Retenha-se, desde já, que a relação com Jesus Cristo se estabelece a partir de uma procura e com base num encontro.
Alguém poderá dizer que não existe essa procura ou que terminou esse encontro?
Não é, seguramente, o que resulta dos estudos de opinião e da abordagem mais elementar que possamos fazer.
2. O que se vai desenhando é um movimento muito nítido no sentido de uma distinção cada vez mais pronunciada entre Cristo e Igreja.
As pessoas, de uma maneira geral, conservam um encanto por Cristo e, ao mesmo tempo, denunciam um desencanto pela Igreja.
O que sucede, o mais das vezes, é que quando se fala de descristianização da sociedade, estamos a pensar no afastamento da Igreja.
Este é, sem dúvida, um facto notório e um dado marcante. As pessoas vão menos à Igreja. Ou, quando vão, vão de uma forma pouco regular.
E, pormenor nada despiciendo, vão cada vez mais quando as igrejas estão vazias, quando não há celebrações.
Acontece que a análise tem de contemplar o sentido inverso. As pessoas vão menos ao encontro da Igreja. Mas não será que a Igreja também vai menos ao encontro das pessoas?
Se as pessoas dizem procurar Cristo e, não obstante, vão menos à Igreja, não será porque, no seu entender, têm dificuldade em encontrar Cristo na Igreja?
No limite, não poderemos fugir à pergunta, por muito inquietante que seja: será que a Igreja é uma oportunidade ou um obstáculo para encontrar Cristo?
3. O certo é que proliferam estudos que apontam no sentido de uma clivagem entre Cristo e a Igreja.
Quem não se recorda de um slogan que, há décadas, fez fortuna: «Cristo sim, Igreja não»?
Juan Martin Velasco refere que estamos num tempo que o Cristianismo rejuvenesce e a Igreja envelhece.
A este ponto chegados, temos de ter presente que estamos a ir por um caminho perigoso.
É que a Igreja vem de Cristo. Mais, a Igreja é Cristo. É o Seu novo corpo. Ele usou o possessivo quando falou da Igreja: «a minha Igreja» (Mt 16, 18).
Isto significa que a Igreja é d’Ele, é de Cristo. Esta é, pois, a sua identidade. Mas será que é esta também a sua configuração?
Jesus teve uma grande preocupação com a transparência. Ele apresentou-Se como sendo a transparência do Pai (cf. Jo 14, 9). Será que a Igreja procura ser a transparência de Cristo?
Por entre a hesitação e no meio da tormenta, avulta a certeza que Pedro Mexia recentemente anotava: «A Igreja nunca erra quando é fiel ao Evangelho».
É claro que essa fidelidade nunca será total. Mas não será possível que seja um pouco mais reluzente?
Sabemos, já nos primeiros tempos, existia uma tensão entre Cristo e a Igreja, representada pelos Apóstolos.
Várias foram as vezes em que tentaram distorcer a Sua mensagem. Anote-se a discussão, deveras sintomática, entre o poder e o serviço. Havia quem quisesse o poder (cf. Mt 20, 20-28). Jesus assume-Se sempre como quem serve (cf. Lc 22, 26).
4. Por aqui se vê como não é só na sociedade que existe o perigo da descristianização.
Não é só a sociedade que corre o risco de se afastar de Cristo. A própria Igreja de Cristo não está isenta dessa possibilidade.
Numa sociedade videocêntrica, o que mais se deseja é ver. Os antigos, como informa Tertuliano, viam amor entre os cristãos. Percebiam que o amor era a súmula da mensagem de Cristo.
Se, como alertava Fernando Pessoa, «morrer é só não ser visto», tenhamos presente que a Igreja só sobrevive se ela tornar visível o amor. Onde há amor, há Cristo.
Acredito que Cristo está na Igreja. O problema é que muitos não O vêem nela...