O acontecimento de Deus nos acontecimentos dos homens. A atmosfera é sempre alimentada por uma surpreendente Theosfera.

Segunda-feira, 22 de Março de 2010

 

1. É com o coração despedaçado que, como toda a gente, olho para a tragédia da pedofilia na Igreja.
 
Como padre, tenho de perceber que o compromisso com a Verdade há-de estar antes de mais e acima de tudo.
 
Não foi Jesus, o fundador da Igreja e o perene fundamento do sacerdócio, que Se apresentou como sendo a Verdade (cf. Jo 14, 6)?
 
Não foi pela Verdade que Ele foi condenado? Não foi pela Verdade que Ele derramou o sangue e deu a vida? Será, então, lícito esconder a Verdade?
 
Será que já demos conta de que esconder não ajuda a regenerar o agressor e, pior, contribui para prolongar o sofrimento da vítima?
 
Admitamos não ser fácil lidar com situações de sumo embaraço e tumultuosa delicadeza.
 
As palavras não resolverão tudo, mas o silêncio curará alguma coisa?
 
Certos silêncios atiram-nos para o lado dos agressores e afastam-nos das suas vítimas. Ou seja, além da verdade, ferimos a justiça. Haverá algo mais contrário a Cristo?
 
2. E, no entanto, é mais frequente incomodarmo-nos com quem chama a atenção para um problema do que com quem provoca esse mesmo problema.
  
Já o Antigo Testamento reporta casos em que os que avisam (os profetas, por exemplo) são censurados, perseguidos ou, então, ignorados.
 
 René Laurentin, num livro muito inquietante saído já nos anos 80 do século passado, advertia para o drama da pedofilia.
 
Conta que, por duas vezes, informou um determinado bispo. A resposta que recebeu terá sido a mesma: «Ignoramos»!
 
Como acontece a tantos outros, também ele teve razão antes do tempo e reconhecimento (só) depois do tempo.
 
É preciso dizer que a Igreja sempre lamentou estas tragédias. Mas a tendência era para encobrir.
 
Fazia-o certamente com o melhor propósito, mas o tempo provou que os resultados não foram satisfatórios.
 
Os autores das agressões mudavam de local. Só que a transferência das pessoas acarretava a transferência do problema que transportavam.
 
 Hoje, temos presente que a tragédia não se resume aos actos. Ela envolve também o encobrimento dos mesmos.
 
 
3. Um problema assumido nem sempre é um problema solucionado. Mas um problema abafado é que nunca será um problema resolvido.
 
É certo que este não é um exclusivo da Igreja Católica. Esta até será a instituição que mais está a fazer no sentido de não branquear os actos e de assumir as suas responsabilidades.
 
Só que as responsabilidades da Igreja são maiores. As pessoas tendem (tendiam?) a confiar muito mais num padre do que noutra pessoa ou instituição.
 
Como reagir à quebra da confiança, o vínculo mais nobre  que perfuma a convivência humana?
 
 A Igreja tem feito uma revisão muito séria de factos do passado. Tem pedido perdão por aquilo que, ao longo dos tempos, não correu bem.
 
 Mas é bom que a autocrítica não se circunscreva ao passado. O encontro com a Verdade (sobretudo com a verdade que dói e incomoda) não pode demorar tanto tempo.
 
Há quem morra sem uma palavra de conforto, sem um gesto de alento, sem um vislumbre de esperança.
 
 
4. É claro que todos temos soluções depois de os problemas acontecerem. Nem sempre na madrugada se sabe o que vai acontecer pela tarde.
 
 É impossível detectar a personalidade de uma pessoa, em toda a sua extensão, no seu período de formação.
 
 Mas há valores que despontam cedo e debilidades que emergem depressa. Penso, particularmente, no carácter ou na falta dele, na autenticidade ou na duplicidade.
 
Toda a construção depende, em muito, dos seus alicerces. Sem uma forte espiritualidade é muito difícil resistir, é muito fácil claudicar.
 
Todos temos, por isso, muito a aprender em matéria de verdade e de justiça. É fundamental não chegar tarde aos acontecimentos.
 
A gravidade de um acto não está em que ele seja conhecido. Está em que ele seja cometido.
 
É imperioso escutar quem nos adverte na altura própria. Mesmo que se torne (insuportavelmente) incómodo.
 
Mas não é esse o destino dos profetas?
 
publicado por Theosfera às 11:41

De Maria da Paz a 23 de Março de 2010 às 01:02
Fui criança e fui adolescente e sempre pude ver nos Sacerdotes que me acompanharam na catequese (em Moçambique e em São Martinho de Mouros), na Acção Católica e em retiros, o rosto de Deus: pela delicadeza, pelo pudor, pela bondade, pela paternal solicitude e a segurança do Caminho que me apontavam e que era Deus.
É com doloroso espanto, com mágoa, com horror (recordemos a tela "O grito" - de Munch) que tomo conhecimento de casos destes - abafados por bispos e arcebispos.
Mudar um padre pedófilo de paróquia?!!! Mas estes bispos estão loucos, são estultos ou são coniventes?!!!
É preciso ter uma Fé muito forte para não ceder à tentação, nestes tempos, de virar costas à Igreja.

Quanto ao celibato dos Padres não posso crer que seja a causa: quanto "senhores de bem", pais de família respeitados e bem considerados, cometem estes crimes - os mais hediondos que existem!

É bem precisa uma purificação na Igreja e uma escolha muito meticulosa dos candidatos ao Sacerdócio.
Com todas as técnicas modernas, técnicas de ponta, de testes psicotécnicos e outros auxiliares.

Seria bom que todos os pedófilos fossem castrados, postos em prisão perpétua e que lhes fosse gravada uma tatuagem na testa com o respectivo "título". Não desejo isto por maldade: desejo-o como acto de justiça e como protecção aos inocentes.

E surgem-me perguntas incómodas: por que razão viemos a este Mundo? Qual o sentido da humilhação extrema de tantos inocentes?
Por que razão há monstros com aparência fisionómica de pessoas?
Por que razão continuamos a dizer que o Homem é livre, se tantos crescem, muitas vezes, viciados, com a sua inocência estilhaçada?

Que sentido tem a vida com tanta malvadez e fealdade no Mundo, sem que possamos defender os indefesos e os inocentes?
Maria da Paz


De Theosfera a 23 de Março de 2010 às 09:22
Ex.ma senhora Dra; partilho, integralmente, da sua indignação. Há um perfil de actuação que se manifesta nestes casos que nos perturba. Vamos acreditar que é possível inverter o rumno, mas, como diz, há atitudes urgentes a tomar. Parafraseando António Ramos Rosa, não podemos continuar a adiar a decisão. O mal não está só quando é conhecido, mas quando é cometido. Deus a abençoe. Muita paz no Senhor. Obrigado pelo texto de Miguel Trigueiros.


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