O acontecimento de Deus nos acontecimentos dos homens. A atmosfera é sempre alimentada por uma surpreendente Theosfera.

Segunda-feira, 01 de Março de 2010

 

1. Portugal não está bem e o resto do mundo não parece melhor.
 
A natureza assusta, a economia preocupa, a política desencanta, a suspeita prospera e a desconfiança alastra.
 
Tudo isto são sintomas de uma grande doença: doença cívica, doença ética, doença moral. Somos homens, seremos humanos?
 
Até somos capazes de mobilizar recursos quando se desencadeia uma catástrofe, mas qual é o nosso comportamento no dia-a-dia? Qual o nosso compromisso com a verdade, com a justiça, com a bondade?
 
Tenhamos em vista que nem tudo o que o vem do homem é, automaticamente, humano. Decididamente, não basta ser homem para ser humano. Nem tudo o que vem do homem é humano. Há mesmo muito no homem que roça a desumanidade.
 
A natureza mata. Mas o homem também não destrói? Quem provoca as guerras? Quem promove atentados? E quem ofende a natureza que, por sua vez, reflui e despeja toda a sua fúria sobre o homem?
 
 
2. Era bom que, de uma vez para sempre, percebêssemos que só somos homens na medida em que nos tornamos humanos.
 
Por incrível que pareça, não há ninguém que consiga ser tão desumano como o próprio homem.
 
A humanidade não é um dado adquirido. Tem de ser uma permanente construção.
 
O que é mais estranho é que, como advertia Saliège, costumamos invocar o humano como pretexto para ferir a humanidade.
 
«Com a expressão "isto é humano" branqueia-se tudo. Alguém dissolve a sua juventude no vício: é humano. Alguém engana e defrauda o próximo: é humano. É assim que com o termo "humano" se designa o que de mais caduco e baixo no homem. Às vezes, até se converte em sinónimo de animal. Que linguagem tão singular! Mas não é o humano que nos distingue do animal? Humana é a razão, humano é o coração, humana é a vontade, humana é a consciência, a santidade. Isto, sim, é humano».
 
 
3. Só somos humanos quando não nos fechamos, quando não nos agredimos, quando respeitamos a integridade e a privacidade do nosso vizinho.
 
Só somos humanos quando recusamos toda a espécie de violência e quando intensificamos a partilha e a solidariedade.
 
Só somos humanos quando nos capacitamos de que pertencemos toda à mesma (e única) humanidade.
 
Só somos humanos quando sentimos que o problema do outro (seja ele quem for) é também um problema meu.
 
Só somos humanos quando não somos indiferentes à fome, ao desemprego, à desigualdade.
 
Neste sentido, urge perceber que a humanidade não está em risco apenas quando falta dinheiro.
 
A humanidade está em risco sobretudo quando não nos aceitamos, quando não nos compreendemos, quando não nos amamos.
 
É hora de termos presente que a humanidade não está em perigo apenas lá longe, no palco das guerras.
 
A humanidade está igualmente em perigo à nossa beira, ao nosso lado, à nossa porta, sempre que não estimamos o próximo, sempre que promovemos a intriga ou fomentamos a discriminação.
 
 
4. Não há dúvida de que a desumanidade desponta como o pior mal em que alguém pode incorrer.
 
Neste capítulo, todos temos pecados a expiar e todos temos um longo caminho de regeneração a percorrer.
 
Porque é que tem de vir uma tragédia mostrar que, lá no fundo, ainda nos resta alguma humanidade? Porque é que só somos havemos de ser humanos nas tragédias. Ainda não entendemos que a maior tragédia é precisamente a desumanidade?
 
A grande lição de Jesus consiste em ensinar-nos a ser homens. E se a Igreja deve ser perita em alguma coisa — lembrou Paulo VI —, é precisamente em humanidade.
 
O nosso maior património — vislumbra Bartomeu Bennássar — «encontra-se no Deus humaníssimo de Jesus». Mas também nós, em Igreja, temos muito a aprender.
 
Temos de aprender que, como lembra Karl Rahner, «o amor para com o próximo é o modo concreto de pormos em prática o amor para com Deus».
 
É pelo Mandamento Novo do Amor que melhor nos certificaremos de que «Deus é o futuro absoluto do homem e da sua história».
 
Haverá desafio mais entusiasmante? E tarefa mais apaixonante?
publicado por Theosfera às 11:57

De António a 1 de Março de 2010 às 15:27
Esta é uma forma bela e superior de Catolicismo consequente e a frase de Karl Rahner toca no ponto certo e concreto de amarmos Deus...


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