- E eis que a Novena já chegou ao sétimo dia. Apesar do cansaço, aqui estamos para com Maria acompanharmos o Seu passo. Em compasso com o Seu brilho, estamos sempre mais perto do Seu Filho. Nunca é demais dizer que Jesus Cristo é a razão do nosso viver.
Sem Cristo, não há Igreja. Mas sem Igreja também não há plenamente Cristo. Sem Cristo, nunca saberemos o que a Igreja é. Mas sem a Igreja só poderíamos dizer que Cristo foi. Acontece que nenhum de nós, cristão, afirma que «Cristo viveu». Todos nós, cristãos, testemunhamos que «Cristo está vivo».
- Cristo está vivo precisamente na Sua Igreja, o Seu novo corpo, do qual Ele é a cabeça e nós somos membros. É por isso que a Igreja é santa: santa na sua cabeça e no esforço que nós fazemos para ser santos. E é por isso também que a Igreja é pecadora: é pecadora em nós, seus membros humanos. Mas nem o nosso pecado ofusca a santidade da cabeça.
Temos, porém, que — imitando Maria — olhar sempre para Jesus. Se a Igreja se desligar de Jesus deixa de ser o que é. Como bem percebeu o então cardeal Joseph Ratzinger, «só «a Igreja de Jesus Cristo permanecerá», aquela que «acredita no Deus que Se fez homem».
- Pode acontecer que alguém pertença formalmente à Igreja e não acredite em Cristo. Não é impossível, mas é um monstruoso equívoco. Mas há igualmente quem abandone a Igreja quando nela se abandona Cristo.
A crise vocacional encontra aqui a sua radicação e, nessa medida, o segredo para a sua superação. Para viver como toda a gente vive, serão necessárias vocações de consagração? As vocações tenderão a diminuir sempre que as apresentarmos a partir do mundo; inversamente, propenderão a crescer sempre que as propusermos a partir de Cristo.
- Concretamente, ser padre não é estar configurado ao mundo. Ser padre é estar configurado a Cristo no mundo, para transformar o mundo a partir de Cristo. Haverá algo tão motivador como participar na transformação do mundo com o maior transformador do mundo?
Os padrões de êxito e fracasso, na avaliação da acção da Igreja, não podem ser os habituais. A colheita do que semeamos não se faz no tempo, mas na eternidade. Por tal motivo, «o apóstolo deve saber esperar» e o «sacerdote há-de aceitar, muitas vezes, sentir-se incompreendido». Quem está disposto a isso? Quem disposto a fazer o que não quer? Quem está disposto, como Maria, a fazer — apenas e sempre — o que Deus lhe disser?
- A Igreja não existe para que façamos a nossa vontade, mas para que a nossa vontade se vá modelando pela vontade de Cristo. Quem está na Igreja tem de saber — e de sentir — que está em Cristo. É por isso que, para a Igreja, viver só pode ser cristoviver.
Nenhum cristão pode viver de si nem para si. Todo o cristão tem de viver de Cristo, em Cristo e para Cristo. O cristão não vive, cristovive, ou seja, não vive sem viver em Cristo. São Paulo assim o atesta: «Já não sou eu que vivo; é Cristo que vive em mim» (Gál 2, 20). Cristoviver implica viver a vida de Cristo, carregar a Cruz de Cristo e participar da Ressurreição de Cristo.
- Nenhuma vida está excluída da cristovida. Não tenhamos medo de ir ao encontro de Cristo e não mostremos receio de ir ao encontro de tantos que clamam por Cristo. Não afastemos Cristo de ninguém e não afastemos ninguém de Cristo. Nunca esqueçamos isto: nada há mais belo do que viver em Cristo.
É muito fácil criticar a Igreja, bater na Igreja, censurar a Igreja, condenar a Igreja. Faz parte da sua natureza estar exposta, pelo que as suas fragilidades não estão escondidas. Tudo é escrutinado na praça pública sem qualquer recato e, por vezes, com suprema impiedade. Todos têm acesso ao que nela se passa e ao que dela se diz.
- Como rezava a conhecida máxima de Santo Ambrósio, a Igreja é «imaculada, mas composta por maculados» («immaculata ex maculatis»).
Não são, contudo, as nuvens que sobre ela pendem que ofuscam o sol que através dela brilha. É pela Igreja que encontramos Jesus Cristo. É a Igreja que nos dá Jesus Cristo. Assim sendo, como amar Cristo sem amar a Igreja?
- Pode acontecer — reconhece Henri de Lubac — «que nos desiludam muitas coisas que fazem parte da contextura humana da Igreja». Paradoxalmente, os que se assumem como sendo só do mundo são os que mais se sobressaltam quando a Igreja se igualiza ao mundo. Têm dificuldade em entender — ou aceitar — que, não sendo do mundo, a Igreja está no mundo. É, pois, natural que ela tanto ofereça o melhor que nele existe como reproduza o pior que nele se encontra.
De facto, nem sempre a diferença constitui a marca da sua presença. Na Igreja, tanto há santos como pode haver criminosos. E, para alguns, o mais intrigante é que ela não desiste dos segundos. É que nem a esses a Igreja deixa de chamar — até ao limite — à santidade.
- É quando o reflexo da presença de Deus parece mais ausente que o testemunho há-de estar mais presente. O caminho não é, pois, a dissidência, mas a persistência. Daí o apelo de São João Crisóstomo: «Não te separes da Igreja». Apesar de todas as suas fraquezas, «nenhum poder tem a sua força; ela é mais alta que o Céu e mais dilatada que a Terra».
Nos momentos de maior obscuridade, a Igreja tem de intensificar, ainda mais, a sua única missão: tornar presente Cristo nos homens. Ela deve mostrá-Lo e dá-Lo a todos. E há-de fazer tudo para que aquilo que é plenamente visto na sua cabeça seja mais visível nos seus membros. O que ela é para nós, é fundamental que o seja também através de nós.
- Neste sentido, ela há-de ser simultaneamente cristo-centrada e antropo-vertida, isto é, centrada em Cristo e voltada para o homem. O «amor fraterno» (1Tes 4,9) foi sempre visto como o testemunho mais convincente da fé. Permiti que termine esta homilia com uma declaração de amor à nossa Mãe Igreja. É nos momentos mais difíceis — e a Igreja está a atravessar mais um momento muito difícil — que o nosso amor tem de ser mais forte, mais fiel e mais intenso:
«Amo-te, minha mãe, minha mãe Igreja. Amo-te, porque me dás o que ninguém mais me consegue dar: Cristo, Maria, os santos e o convívio diário com pessoas que exalam o incomparável perfume de Deus. Amo-te porque nem nos momentos de maior fragilidade desistes da nossa humanidade. Amo-te porque és tu que tens levado o Evangelho da paz e da esperança a tantos deserdados deste mundo. Amo-te porque és tu que queres aqueles que mais ninguém quer. Amo-te e quero-te mais do que nunca. É contigo que espero continuar a viver. E é nos teus braços que, um dia, quero morrer»!