- Aqui continuamos para, com Maria, na missão avançarmos. Pela sexta vez, procuremos aprender com o que Ela fez. Cada um de nós é chamado a conjugar permanentemente, na missão, uma dimensão paulina com uma dimensão mariana. Precisamos — ao mesmo tempo e cada vez mais — do arrojo de Paulo e da silenciosa discrição de Maria.
Uma Igreja confidente (que escuta) é o suporte imprescritível de uma Igreja conferente (que anuncia). Maria não Se destaca tanto pela palavra proferida com os lábios como pela palavra pronunciada com a vida. Ela é, pois, Mãe da Igreja e paradigna do que há-de ser a Igreja Mãe.
- Foi a 21 de Novembro de 1964 que São Paulo VI formalizou a atribuição a Nossa Senhora do título de «Mãe da Igreja». Na medida em que é Mãe de Cristo, Ela é Mãe dos membros do Corpo de Cristo, «fiéis e pastores». No entanto, a origem deste título é muito antiga. Segundo Hugo Rahner, irmão de Karl Rahner, terá sido usado pela primeira vez por Santo Ambrósio, no século IV.
Com Maria, a Igreja reaprenderá a constituir-se sempre como comunidade orante e, simultaneamente, como comunidade fraterna. Com Maria, cada membro da Igreja há-de procurar ser, ao mesmo tempo, homo Dei (homem de Deus) e homo hominibus (homem para os homens).
- A Igreja encontra em Maria uma capacidade para compreender que Deus intervém na história para salvar, para libertar. Maria oferece-nos, não um Deus a-pático, mas um Deus entranhadamente sim-pático, um Deus que sofre com o sofrimento de cada um de nós.
Embora escondidamente — como notou Hans Urs von Balthasar —, Maria governa a Igreja. Não necessita de ser loquaz para ser eloquente. Basta-Lhe a eloquência do exemplo. Albert Schweitzer veio a dizer «que o exemplo não é a melhor maneira de convencer os outros; é a única». Por conseguinte, prestemos sempre atenção às intervenções de Frei «Exemplo».
- Maria governa a Igreja pelo exemplo e o exemplo é tudo. O que Maria é corresponde ao que a Igreja é chamada a ser. O que é conhecido em Maria deverá ser sempre reconhecido na Igreja. Para a Igreja, Maria é a sua plenitude e o seu gérmen.
João Paulo I, imediato antecessor de São João Paulo II, ter-nos-á surpreendido quando declarou que «Deus é Pai e, ainda mais, Mãe». No fundo, Maria traz para nós a paternidade maternal de Deus.
- Aprendamos com Maria a estarmos sempre unidos a Jesus. Como Mãe e como discípula, nunca Jesus abandonou: foi a Jesus que Ela sempre Se dedicou. Quem procura Maria inevitavelmente encontra Jesus. Se alguém não encontra Jesus é porque, verdadeiramente, não procurou Maria. Será que já reparamos no estreitíssimo vínculo que amarra Maria a Jesus?
Às vezes, parece que não percebemos que temos de ser «cristãos de todos os dias» e não apenas «cristãos de Maio ou do início de Setembro». Há quem teime em desligar Maria de Jesus e em separar a devoção a Maria da vivência da Eucaristia. O problema não está em Maria. Está em nós, quando desligamos o que Deus nunca separou: a Mãe e o Filho, Jesus e Maria.
- Quem o Terço recita a vida de Jesus medita. Maria é a grande condutora para a contemplação da obra redentora. Ela não quer adorada. Ela só quer ensinar-nos a adorar. Uma justificada mariodulia não deve deslizar nunca para uma indefensável mariolatria.
O fundamental, por isso, não é tanto olhar para Maria; é olhar com Maria. Deixando-nos guiar pelo olhar da Mãe, depressa nos centraremos no Filho, em Jesus. A Sua maior alegria é que sigamos Jesus em cada dia (cf. Jo 2, 5). Só fazendo o que Jesus diz é que deixaremos Maria feliz.
- Não espanta que o Vaticano II reconheça que Maria «brilha como sinal de esperança segura e de consolação aos olhos do Povo de Deus peregrino». Ela posiciona-Se como uma luz no horizonte a orientar o sentido da nossa vida. Maria transforma-se em incentivo para a dupla tarefa do cristão: santificação própria e ser testemunha de Cristo no meio dos homens.
Por aqui se vê como, inspirada na fé de Maria, a fé da Igreja não é alienante. É por causa da sua esperança na consumação eterna da sua existência que o cristão se empenha na transformação do mundo actual. É a esperança na eternidade que estimula a intervenção no presente.
- Se não houver mais nada para oferecer às pessoas, não deixemos de oferecer a esperança. A esperança não é tudo, mas é essencial para tudo. É sabido que, enquanto há vida, há esperança. Entretanto, Maria mostra que, enquanto houver esperança, nunca deixará de haver vida.
Há que perceber que, no mundo, a Igreja é chamada a ser um implante e não um transplante. Investida da missão de se tornar sal, fermento e luz (cf. Mt 5, 13-14; 13, 33), cabe-lhe implantar a vida de Cristo no mundo e não transplantar acriticamente a vida do mundo para a Igreja. O melhor serviço que a Igreja pode prestar consiste em ser diferente.
- Não é quando a Igreja se igualiza ao mundo que ela ajuda o mundo; é quando a Igreja assume a sua diferença no mundo que ela melhor serve o mundo. Como avisa São Paulo VI, o nosso diálogo não pode ser fraqueza nos compromissos com a nossa fé.
Paul Valadier percebeu que os cristãos «participam plenamente do destino comum do mundo», mas, ao mesmo tempo, «apoiam-se numa mensagem que o ultrapassa e introduz nele uma diferença radical». Corporizar esta diferença radical, desencadeada pelo Evangelho, é o maior serviço que se pode oferecer ao mundo.
- Há que evitar, pois, uma «adaptação de camaleão», dominada pelo genérico mundo e desligada do «específico cristão». Em causa está não só a identidade do Cristianismo, mas também o serviço ao próprio mundo. Ainda que o recuse, o mundo tem direito a conhecer aquilo que nos constitui e identifica. Se dizemos o que todos dizem e fazemos o que todos fazem, que atenção despertaremos? Para oferecer o que o mundo oferece, não fazemos falta. É o amor pelo mundo que torna a Igreja diferente do mundo. Sem essa diferença, o mundo não ganha e a Igreja perde. Se a Igreja não viver Cristo, que serviço prestará ao mundo e que futuro terá como Igreja?
Sem Cristo, a Igreja não serve o mundo e dificilmente sobreviverá no mundo. Tal como para Paulo — para quem «viver é Cristo» (Fil 1, 21) —, também a Igreja, para sobreviver, tem de cristoviver. A cristovida é a sua única saída. Eis o que Maria nos ensina: estar sempre em Cristo, que nos ilumina. Num mundo que nos cerca com tantos assédios, voltemo-nos para Nossa Senhora dos Remédios. Seja Ela, à nossa beira, a modelar — por dentro e por fora — a nossa vida inteira!