A. Porta estreita, mas não fechada
- O Evangelho diz que a porta é estreita (cf. Lc 13, 24), mas não diz que esteja fechada. Quando Jesus diz que a porta é estreita, não diz que esteja fechada ou que seja intransitável; pelo contrário, até nos convida a passar por ela;
Que porta é esta? É o próprio Jesus. Em João (10, 9), é o próprio Jesus que Se apresenta como sendo a porta. Trata-se de uma porta que não está aberta só para alguns; a porta da fé está aberta para todos. Jesus é o caminho que nos conduz até essa porta e é a chave que nos permite abrir essa porta. Todos têm lugar na Igreja. A Igreja não é para tudo, mas é para todos: é para todos os que queiram entrar.
- Como especialista em surpresas, Deus, pelos lábios de Jesus, assegura que a porta se abrirá para muitos que nós afastamos e se fechará para muitos que nós talvez bajulemos. O grande critério de selecção é a justiça, ou a falta dela. Muitos poderão estes alegar que comeram e beberam na presença do Dono da Casa, que é uma imagem de Deus. Mas a resposta não deixará de soar: «Afastai-vos de Mim, vós todos que praticais a injustiça» (Lc 13, 27).
Torna-se, aqui, bem claro que o culto é fundamental, mas o próprio culto reclama a vivência da justiça. Quem não reconhece Deus na pessoa dos outros não pode dizer que O conhece verdadeiramente. O conhecimento de Deus não se vê pela mente nem pelos lábios. O autêntico conhecimento de Deus vê-se — e testa-se sempre — pela vida, pela vivência.
B. Mais além do número
- Ninguém tem as portas fechadas à partida; nós é que podemos fechar as portas à chegada. Deus só sabe abrir; nós é que podemos fechar. Ainda bem que os critérios divinos são muito diferentes dos critérios humanos: «Haverá últimos que serão dos primeiros e primeiros que serão dos últimos» (Lc 13, 30).
Para Deus, os preteridos são os preferidos. Deus não olha para a condição, para o estatuto nem para a carteira. Ele olha para todos, ainda que muitos estejam no último lugar. A vontade de Deus é «reunir todos os povos» (Is 66, 18). Para Deus, não há exclusões baseadas na raça ou na posição social.
- Jesus dá a entender que o banquete do Reino é para todos. Ressalva, no entanto, que não há entradas garantidas nem lugares marcados. O Reino de Deus é para todos, mas não é para tudo. Ninguém é excluído e todos são convidados, mas isso não quer dizer que todos consigam entrar. É preciso fazer uma opção pela «porta estreita» e seguir Jesus.
Havia quem estivesse preocupado com o número. Alguém pergunta a Jesus: «Senhor, são poucos os que se salvam?» (Lc 13, 23). Haja em vista que, para os fariseus da época de Jesus, a salvação era reservada aos membros do Povo eleito. E nem todos os membros do Povo se salvariam.
C. É preciso cortar com certas adiposidades
- À questão do número, Jesus não responde com o número. Jesus até veio ao mundo para que todos se possam salvar. Por isso, fala de Deus como um Pai cheio de misericórdia, cuja bondade acolhe a todos, especialmente os pobres e os débeis.
Isto significa, desde logo, que, não sendo um caminho intransitável, a salvação também não é um caminho fácil. Para Jesus, não é a facilidade que leva à felicidade. Um Cristianismo fácil não serve para uma vida difícil.
- Entrar no Reino é, antes de mais, esforçar-se por «entrar pela porta estreita» (Lc 13, 24). Esta imagem da «porta estreita» evoca a necessidade de renunciar a tantas adiposidades que aparecem. Pois também estas adiposidades dificultam o caminho para Deus.
Que adiposidades são essas? O egoísmo, o orgulho, a riqueza, a ambição, o desejo de poder e de domínio. Trata-se de tudo aquilo que impede o homem de optar pelo serviço, pela entrega, pelo amor, pela partilha, em suma, pelo dom da vida.
D. Só se senta com Jesus quem caminha com Jesus
- Para clarificar melhor o ensinamento acerca da entrada do Reino, Jesus recorre a uma parábola. Nela, o Reino é descrito como um banquete em que os eleitos estarão lado a lado com os patriarcas e os profetas (cf. Lc 13, 25-29). Quem se sentará, então, à mesa do Reino? Todos aqueles que acolheram o convite de Jesus à salvação e aceitaram viver uma vida de doação, de amor e de serviço.
Fica bem claro que não haverá qualquer critério baseado na raça, na geografia, nos laços étnicos. A única coisa que verdadeiramente conta é a adesão a Jesus. E que acontecerá àqueles que não acolheram a proposta de Jesus? Esses ficarão fora do banquete, ainda que se considerem superiores. Só se senta com Jesus quem está disposto a caminhar com Jesus.
- Já a Primeira Leitura defende que todas as nações são chamadas a integrar o Povo de Deus. É nessa perspectiva que nos é dado contemplar uma visão de carácter escatológico. No mundo novo, todos são convocados por Deus para integrar o seu Povo.
O esquema apresenta várias etapas: no princípio, Deus virá para dar início à reunião de todas as nações (cf. Is 66, 18). Depois, dará um sinal e enviará missionários (curiosamente, escolhidos de entre os povos estrangeiros), a fim de anunciarem a glória do Senhor (cf. Is 66, 19). Em seguida, as nações responderão ao sinal do Senhor e dirigir-se-ão ao monte santo de Jerusalém, (cf. Is 66, 20). Finalmente, o Senhor escolherá de entre os que chegam sacerdotes e levitas para O servirem (cf. Is 66, 21).
E. Todos são convidados; todos quererão entrar?
- Estamos num contexto em que não era fácil ter uma visão abrangente — e tolerante — sobre as outras nações. Dizer que todos os povos são convocados por Deus é algo que não soa bem aos ouvidos dos judeus da época.
Supremamente inconcebível é dizer que Deus vai escolher, de entre os estrangeiros, sacerdotes e levitas que entrem no espaço sagrado do Templo, reservado para o serviço do Senhor. Mas Deus é assim. Os Seus horizontes são vastos e as Suas vistas são largas. É por isso que, como cantávamos no Salmo Responsorial, Ele nos manda por todo o mundo, para toda a parte, junto de toda a gente.
- A porta da salvação está, pois, sempre aberta (cf. Act 14, 27). Esta é uma porta que nunca se fecha.
Mas atenção. Esta é uma porta em que não se entra aos empurrões nem aos encontrões. Não somos nós que definimos o modo como se entra; é Jesus. Não existe auto-salvação. A porta é também o porteiro. Só Jesus salva. Mas Ele quer que todos nos salvemos. Por isso Ele vem. Por isso Ele nunca deixa de vir. A porta está aberta. Também hoje. Também para nós!