A. Orar sim, mas não de qualquer maneira
- Hoje, os textos sagrados falam-nos de uma coisa que fazemos pouco e, às vezes, mal: orar. De facto, não oramos muito e raramente oramos bem. Daí que, depois de — no passado Domingo — termos sido catequizados sobre a prioridade da oração, eis que, neste Domingo, somos instruídos acerca do modo de orar.
Jesus é também o mestre da oração e o modelo do orante. Este texto, a abrir o capítulo 11 do Evangelho de São Lucas, apresenta-nos «Jesus em oração» (Lc 11, 1). A oração de Jesus mexeu de tal maneira com os Seus discípulos que um deles Lhe pediu para os ensinar a orar: «Senhor, ensina-nos a orar» (Lc 11, 1).
- O primeiro passo tem de ser este: aprender a orar pedindo a Jesus que nos ensine a orar. De resto, São Paulo põe-nos de sobreaviso ao dizer que não sabemos orar como convém (cf. Rom 8, 26). O nosso problema é orar à nossa maneira. O nosso mal é orar de forma intermitente. A nossa deficiência é ficar pela oração de petição e descurar a oração de louvor e de disponibilidade.
Por conseguinte, antes de rezar, aprendamos a orar. Desde logo, temos de perceber que seguir Jesus é também — e bastante — seguir a Sua oração. Não é possível seguir Jesus sem seguir a Sua oração. Não é possível seguir Jesus sem começar por ser orante. O seguimento de Jesus consiste, acima de tudo, na intimidade com Jesus. É pela oração que essa intimidade cresce.
B. A intimidade com Jesus é intimidade com o Pai
- Na Sua instrução, Jesus começa por nos ensinar a tratar a Deus por Pai: «Quando orardes, dizei: “Pai”» (Lc 11, 2). Isto significa que, ao entrar na intimidade com Jesus, entramos igualmente na Sua intimidade com o Pai. É a oração que nos desperta para a realidade do Baptismo. Na oração, (re)tomamos consciência de que somos filhos do mesmo Pai e, por extensão, de que somos irmãos uns dos outros.
A oração é, pois, um precioso estímulo para reforçar a consciência da fraternidade. Orar cria um ambiente de intimidade que, no entanto, vai muito além do mero intimismo. Ao tratar Deus por Pai, cada um de nós apercebe-se de que são muitos os que fazem o mesmo. Somos todos irmãos porque somos todos filhos. Porque nos ama, é o Pai que nos irmana. É o Pai que faz de nós um povo de filhos, um povo de irmãos.
- Por aqui se vê que os problemas da nossa humanidade radicam na falta de uma consciência de que somos filhos do mesmo Pai. A nossa crise é sobretudo espiritual. Se houver mais oração, haverá mais abertura. Se nos abrirmos ao mesmo Pai, abrir-nos-emos aos nossos irmãos, também eles filhos deste mesmo Pai.
Entremos, então, na Escola Orante de Jesus. Oremos não só a Jesus, mas disponhamo-nos a orar com Jesus e em Jesus. No fundo, deixemos que Jesus — e o Seu Espírito — orem em nós.
C. A escola de oração é (sempre) uma escola de fraternidade
- Deste modo, tratar Deus por Pai implica sair do individualismo que nos aliena, esmaga e esgana. Tratar Deus por Pai significa superar as divisões e destruir as barreiras que nos impedem de amar e de sermos solidários.
No fundo, Jesus convida-nos a assumirmos, na nossa relação com Deus, a atitude de uma criança que, com simplicidade, se entrega confiadamente nas mãos do pai. Jesus desafia-nos a acolher a proposta de intimidade que a relação entre pai e filho implica. E, como corolário, Jesus propõe a cada um de nós que nos assumamos como irmãos formando uma verdadeira família, unida à volta do Pai.
- Notamos, entretanto, que a oração também tem um tema. Na perspectiva de Jesus, a oração deve, sobretudo, centrar-se na vinda do Reino, ou seja, no nascimento do mundo novo que Deus quer oferecer. A «santificação do nome» expressa o desejo de que Deus seja reconhecido como salvador de todos os povos.
É importante que todos os homens reconheçam a justiça e a bondade do projecto de Deus para o mundo. A referência à «vinda do Reino» exprime o desejo de que este mundo novo se torne uma realidade definitivamente presente na vida dos homens.
D. O orante tem de ser persistente, mesmo que pareça inoportuno
- O pedido do «pão de cada dia» verbaliza o desejo de que Deus não cesse de nos alimentar com a Sua vida. Este alimento surge na forma do pão material e na forma do pão espiritual. No fundo, com este pedido formalizamos o reconhecimento de que tudo se deve a Deus, de que tudo é dom de Deus.
A referência ao «perdão dos pecados» pede que a misericórdia de Deus supere a nossa infidelidade tornando-nos mais compreensivos para com as falhas dos nossos irmãos. O pedido para que não caiamos em «tentação» é um alerta para que, com a ajuda de Deus, não nos deixemos seduzir pelas felicidades ilusórias. E, hoje em dia, somos tão facilmente seduzidos pelo assédio das ilusões.
- Seguem-se duas parábolas, cheias de significado. A primeira (cf. Lc 11, 5-8) compara o orante a um «amigo inoportuno», que, mesmo a desoras, pede o que precisa. O que Jesus pretende dizer é que Deus escuta e atende aqueles que se Lhe dirigem. Ninguém fica sem resposta. Na oração, o importante é persistir, nunca desistir e sempre confiar.
A segunda parábola (cf. Lc 11, 9-13) constitui precisamente um convite à confiança em Deus: Ele conhece-nos bem e sabe do que necessitamos. Em todos os momentos, Ele derramará sobre nós o Espírito, que nos permitirá encarar a vida com a força de Deus.
E. A vontade de Deus pode não ser fácil, mas é a melhor
- Façamos, por isso, como Jesus diz. Peçamos, procuremos e batamos à porta (cf. Lc 11, 9). «Todo aquele que pede recebe, quem procura encontra e ao que bate à porta abrir-se-á» (Lc 11, 10). Podemos não receber imediatamente o que pedimos, mas receberemos sempre o que é melhor para nós: o Espírito Santo (cf. Lc 11, 13). Afinal, orar é também criar uma disponibilidade para acolher o que Deus nos quer oferecer.
Não é mal pedir. Jesus também pediu. Mas o que importa, como Jesus nos mostra, é acolher a vontade de Deus. Jesus também pediu ao Pai para que O afastasse da Cruz. No entanto, ressalvou logo que se fizesse não o que Ele queria, mas o que o Pai pretendia (cf. Lc 22, 42). Uma coisa é certa: a vontade de Deus nem sempre é fácil para cada um, mas é sempre o melhor para todos.
- A oração insere-nos na vida nova, aberta pelo Baptismo. Somos outros a partir do Baptismo. Já não somos nós; é Cristo em nós: a nossa vida passa a ser uma «cristovida». O Baptismo, como anota São Paulo, sepulta-nos com Cristo e faz-nos ressuscitar com Cristo (cf. Col 2, 12). Assim sendo, até a nossa oração deve ser a oração de Cristo.
Esta oração já está, de certo modo, prefigurada no episódio narrado na Primeira Leitura. O mundo actual, aos olhos de muitos, assemelha-se a Sodoma e a Gomorra. Parece que está tudo perdido. É preciso fazer como Abraão. É preciso persistir. Persistir na oração é, no fundo, persistir na esperança. As pessoas justas podem estar em minoria, mas essa minoria pode mudar o mundo. Não tenhamos medo de estar em minoria. Deus consegue mais que todas as maiorias. Ele só quer as nossas mãos, os nossos pés, os nossos lábios e o nosso coração. Afinal, Deus quer o nosso pouco para fazer muito. Connosco, Ele quer tornar diferente a vida de toda a gente!