A. Tanta renovação tem de nos renovar
- Quem não gosta de novidades? Quem não anda à procura de novidades? Pois este quinto Domingo da Páscoa traz-nos tudo o que é novo: o «canto novo», o «mandamento novo» e um «amor sempre novo»: o amor de Jesus Cristo. A antífona de entrada — extraída do Salmo 98 (1) — nos fala do «canto novo». É assim que Jesus — no Evangelho de São João — (cf. Jo 13, 34) — nos deixa o «mandamento novo». E é assim que aquele que está no trono descrito no Apocalipse garante: «Vou renovar todas as coisas» (Ap 21, 5). Tanta renovação tem de «mexer» connosco. Tanta renovação tem de nos renovar.
Renovar é reconduzir ao que é novo. Renovar é reconduzir tudo a Deus. Todos somos novos na companhia de Deus. Mesmo quando os anos passam, em Deus a juventude não passa. Quem em Deus permanece nunca envelhece. E que canto mais novo que o «mandamento novo»? É um canto que encanta porque não sai apenas dos lábios; é um canto que transborda por toda a vida. Não é verdade que quem mais ama é quem mais canta?
- Nós amamos — e devemos amar cada vez mais — o Cristo que morreu e o Cristo que ressuscitou. É por isso que O cantamos, é por isso que não deixamos de O cantar. O Papa São João Paulo II teve o cuidado de lembrar que «nós somos o povo da Páscoa e o Aleluia é a nossa canção».
O Aleluia não é para recitar; o Aleluia é para cantar porque é cantando que melhor louvamos. O cântico que chega aos lábios vem da alma e invade a vida. Por tal motivo, Santo Agostinho fez um veemente apelo: «Cantai com a voz, cantai com o coração, cantai com os lábios, cantai com a vida». Cantemos, pois, com a voz o que cantamos com o coração, com os lábios e com a vida.
B. Do canto novo ao mandamento novo
- Este canto nunca deixa de ser novo porque celebra uma vida que nunca deixa de ser nova. Uma vez que somos novos, temos de cantar o canto novo. Já Santo Agostinho notava que «é próprio do homem novo cantar o canto novo». Quem aprende a amar a vida nova (acrescentava o Bispo de Hipona) «aprende também a cantar o canto novo». É, pois, pelo
«canto novo que devemos reconhecer o que é a vida nova». O melhor canto é uma vida renovada, uma vida limpa, uma vida pura. Daí que Santo Agostinho recomende: «Quereis cantar louvores a Deus? Sede vós mesmos o canto que ides cantar. Vós sereis o maior louvor, se viverdes santamente».
É para aqui que tudo converge: para a santidade de vida. O canto será belo se a vida for santa. E a vida santa, cantada pelos lábios, é aquela que está entranhada — e totalmente ubiquada — no mandamento novo do amor. É este o mandamento que faz de nós pessoas novas. Jesus chamou-lhe novo porque sabia que era um mandamento que nunca haveria de envelhecer: «Dou-vos um “mandamento novo”: amai-vos uns aos outros; como Eu vos amei, amai-vos uns aos outros» (Jo 13, 34).
- Não se trata, por conseguinte, de amar os outros com o nosso amor. O nosso amor é frágil, oscilante e, muitas vezes, com prazo de validade. Tanto amamos como deixamos de amar. Tanto amamos como passamos a odiar. O que Jesus nos propõe é que amemos os outros com o «Seu» amor: «Como “Eu” vos amei, amai-vos uns aos outros» (Jo 13, 34.
Este programa devia ser afixado em todos os departamentos governamentais, em todas as câmaras municipais, em todas as habitações e também em todas as igrejas. Sim, porque também nas igrejas há carência de amor. Ou, então, há um amor que ainda é muito «nosso»; há um amor que ainda sabe pouco a Cristo e ao Seu amor.
C. Temos de pôr Cristo no nosso amor
- Temos de pôr Cristo no nosso amor e de pôr o nosso amor em Cristo. Só assim seremos credíveis. O próprio Jesus tornou bem claro que é pelo amor que nos reconhecerão: «O sinal pelo qual vos reconhecerão como Meus discípulos é o amor que tiverdes uns pelos outros» (Jo 13, 35).
Eis o que falta. Eis o que urge. Somos uma sociedade — e fazemos parte de uma igreja — que muito cantam o amor. Mas também somos uma sociedade — e fazemos parte de uma igreja — que, apesar de muito cantar o amor, pouco vivem o amor.
- Para amar como Jesus ama, é fundamental aprender a conjugar mais o verbo «dar» do que o verbo «possuir»; é fundamental aprender a conjugar mais o verbo «suportar» do que o verbo «vingar; é fundamental aprender a conjugar mais o verbo «recomeçar» do que o verbo «separar».
Com alguma ironia, mas com uma enorme dose de pertinência, o cardeal Sean O’Malley, anota que o homem actual como que esqueceu os mandamentos. O único a que presta alguma atenção é ao «Não fumarás». E mesmo esse não o cumpre como deveria cumprir.
D. Nem sempre o poder é amoroso, mas o amor será sempre poderoso
- O amor que melhor conhecemos é o «amor do poder»; em contrapartida, o que mais desleixamos é o «poder do amor». Mas o que Jesus espera de nós é mesmo o amor. Para Jesus, tudo — até o poder — tem de estar submetido ao amor.
O amor é tão comovente que se vê mais nos olhos que choram do que nos lábios que (sor)riem. Daí que a Bíblia assegure que as lágrimas geradas pelo amor só serão enxugadas por Deus (cf. Ap 21, 4).
- Nos começos da Igreja, notava-se um grande entusiasmo à volta do Mandamento Novo. Tertuliano até nos dá conta de que os outros, olhando para os cristãos, exclamavam: «Vede como eles se amam!» Ou seja, «vede como eles fazem o que dizem». E o certo é que, se a lei do amor fosse mais observada, as outras leis quase poderiam ser dispensadas. Já dizia Disraeli: «Quando os homens são puros, as leis são desnecessárias; quando são corruptos, as leis são inúteis».
Por conseguinte, percebe-se que Deus seja mais acessível ao coração que ama do que à mente que (apenas) pensa. O amor é o que maior honra tributa a Deus, que é amor (cf. 1Jo 4, 8.16). O poder consegue muito, mas só o amor é capaz de tudo. Nem sempre o poder é amoroso, mas o amor será sempre poderoso. Afinal e como reconhecia Paul Ricoeur, Deus é «Todo-Poderoso» porque é «Todo-Amoroso».
E. Um pouco de amor nunca é pouco
- A Igreja, não sendo uma democracia, deva ser mais — e nunca menos — que uma democracia. O que nela há-de prevalecer não é o «amor do poder», mas o «poder do amor». O amor do poder tem esmagado a vida de muita gente; Só o poder do amor transformará a vida de toda a gente.
Jesus é o mestre maior do amor incondicional e do amor total. Para Jesus, o amor é para todos e é para sempre. Uns merecem-no; os que o não merecem precisam dele até para ver se se habituam a ele. Percebe-se, assim, que até pelos inimigos tenhamos de dar a vida. Ao dar a vida, os inimigos deixam de o ser: todos passam a ser amigos. Para Jesus, todos são amigos. Nem sempre o amor é acolhido. Mas, mesmo quando não é acolhido, o amor há-de ser continuamente oferecido.
- Nunca esqueçamos que o Cristianismo é, geneticamente «a religião do amor». Os cristãos da primeira hora eram conhecidos pelo compromisso para com o «mandamento novo do amor». Que os cristãos desta nossa hora não subestimem um mandamento que nunca deixa de ser novo.
Levemos a todos o Deus do amor. E depositemos em cada um uma porção do amor de Deus. Um pouco de amor nunca é pouco. Um pouco de amor é sempre muito. Porque, em Deus, o amor já é tudo. E para sempre!