A. A fé mexe com tudo, até com o bolso
- Chegados, uma vez mais, ao Dia Mundial das Missões, era bom que não reduzíssemos tudo a uma esmola. A partilha de dinheiro é indispensável, mas a entrega da vida é muito mais necessária. Aliás, a partilha de dinheiro deve ser sempre inserida no âmbito da entrega da nossa vida. Afinal, se a fé mexe com tudo, é natural que mexa também com o nosso bolso. Uma fé que não nos entrasse no bolso seria autêntica fé?
A fé é, por natureza, invasiva e incendiária. Ela pretende invadir todas as dimensões do nosso ser e incendiar todos os momentos da nossa vida. A fé não admite poupanças. A fé implica gastos. A fé exige que nos gastemos até ao último dia, até à derradeira gota do nosso suor.
- A primeira coisa que temos de assumir é a própria missão. Nós não somos apenas destinatários, temos de ser também agentes. Quem é tocado por Cristo é chamado, nesse mesmo instante, a tornar-se anunciador de Cristo.
A missão é para todos: para todas as pessoas, para todos os lugares e para todos os momentos. A missão não é só para os missionários até porque missionários temos de ser todos. Quem não faz missão será cristão? Não. Quem não faz missão não é cristão. A missão é para todos, é para tudo e é para sempre. É o que se infere, aliás, da convocatória da Conferência Episcopal para o Ano da Missão, que começa neste Outubro de 2018 para terminar em Outubro de 2019.
B. Há que criar uma «cultura de missão», não de demissão
3. Hoje é (mais) uma oportunidade para tomarmos consciência do que somos. Hoje é (mais) uma oportunidade para percebermos que ser cristão é ser missionário. Neste sentido, há que compreender que a oração tem de desaguar na acção. E, concretamente, há que ter presente que a Missa é o começo — e o alimento — da Missão.
Onde está o cristão, aí tem de estar o missionário. Em casa e na rua, no trabalho e no lazer, nada pode ficar à margem da missão. Quem nega que é preciso levar o Evangelho às famílias, ao trabalho, à política, à cultura e ao desporto? A resposta pode não vir de todos, mas a proposta não pode deixar de chegar a todos.
- Por conseguinte, é vital criar uma «cultura de missão», pelo que é fundamental vencer — definitivamente — uma certa «tendência para a demissão», que teima em persistir, em tolher-nos. Até sabemos o que deve ser feito, mas facilmente nos tranquilizamos sob o pretexto de que não é para nós, de que não temos tempo nem habilitações.
Há quem saiba o que outros devem fazer, esquecendo que o importante é que cada um faça o que deve não se recusando a fazer o que pode. Em tudo — e sempre —, a missão, não a demissão! Jesus quer que sejamos missionários, não demissionários. Todo o cristão traz o nome de «discípulo» e o sobrenome de «missionário». Não é possível ser missionário sem ser discípulo, mas é inteiramente impossível ser discípulo sem ser missionário.
C. Até as redes sociais podem ser (fecundas) redes missionárias
6. É preciso estar onde as pessoas estão. E se há problemas, também há-de haver uma forma de lidar com os problemas. É sabido que, hoje em dia — e em noite! —, as pessoas estão nas redes sociais. Será legítimo subestimar ou abandonar este novo mundo, ainda por cima tão densamente povoado?
Tanta gente que por ali passa! Como não apresentar aí o Deus que nos enlaça, o Deus que sempre nos abraça? Estes novos meios também podem ser vistos como «novos púlpitos». Além do mais, eles podem ensinar-nos a importância de trabalhar em rede, interagindo com quem questiona, com quem inquieta, com quem procura.
- As redes sociais podem ser também estimulantes redes missionárias. Há muitas aproximações — ou reaproximações — à fé que começam nas redes sociais para prosseguir fora das redes sociais: no confessionário, na Eucaristia, num compromisso global com o Evangelho.
É por isso que, concretamente em relação ao «facebook», diria: «nem sempre nem nunca». Tão perigoso é estar sempre no «facebook» como nunca estar no «facebook». O importante é saber estar no «facebook» como se deve saber estar na vida: com critério, com equilíbrio e sobretudo com sentido de missão e não apenas diversão.
D. O missionário ao serviço do Missionante
7. Habitualmente, pensamos nos destinatários e nos espaços da missão. Não basta, porém. É prioritário que pensemos sempre no conteúdo da missão. Não chega pensar naqueles a quem levamos a missão; é decisivo pensar, antes de mais, n’Aquele que levamos na missão. Jesus não nos mandou apenas «ir», nem nos mandou unicamente «ir por todo o mundo». Ele mandou-nos «ir por todo o mundo anunciar o Evangelho» (Mc 16, 15).
A missão não pode ser parcial nem contentar-se com o limiar. Há que não ter medo de falar do Evangelho de Jesus nem do Jesus do Evangelho. A missão consiste em levar e trazer: em levar Jesus a todos e em trazer todos para Jesus. Só assim faremos da missão vida e da vida missão. Na sua mensagem para este Dia, o Papa Francisco recorda que «a vida é uma missão». E concretiza: «Todo o homem e mulher é uma missão, e esta é a razão pela qual se encontra a viver na terra. Ser atraído e ser enviado são os dois movimentos do nosso coração de discípulo».
- Neste Domingo, Jesus convida-nos a despojarmo-nos de nós. Afinal, na missão não vamos pregar-nos a nós mesmos. O centro da missão não é o missionário, é o Missionante. Parafraseando São Paulo, diria que não nos pregamos a nós, pregamos Jesus Cristo que vive em nós (cf. Gál 2, 20).
Na missão, não pode haver jogos de ambição nem sonhos de poder. Essa foi a tentação dos missionários da primeira hora e acaba por ser a tentação dos missionários desta nossa hora. Daí a pertinência da advertência de Cristo. Na missão não se está pelo poder, mas pelo serviço. Ser missionário não é ser proprietário, é ser servo e querer ser servidor. Tal foi, de resto, o testemunho do próprio Jesus Cristo, «que não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida» (Mc 10, 45).
E. Uma vida «centrifugada» e não «centripetada»
9. Jesus é apresentado como sacerdote e até como «sumo sacerdote» (Heb 4, 14). Ele não oferece coisas exteriores, oferece-Se a Si mesmo, oferece a própria vida. Como já anteviu Isaías, Ele é o servo que oferece a Sua vida por nós, sofrendo em nosso lugar: Ele tomou sobre Si «as nossas dores» (Is 53, 11).
Jesus nunca foi «a-pático». Jesus foi sempre — e literalmente — «sim-pático», isto é, sofreu por nós, sofreu em nosso lugar. Fez Suas as nossas dores para que nós possamos fazer nosso o Seu amor, o Seu desmedido amor. A existência de Jesus não é «centripetada»; é totalmente «centrifugada». É por isso que Ele é capaz de nos compreender e de Se compadecer de nós (cf. Heb 4, 15).
- Procuremos ir, então, cheios de confiança a este «tono da graça» onde alcançamos a «misericórdia» e a ajuda em «tempo oportuno» (cf. Heb 4, 16). Mas nunca esqueçamos que a missão consiste não em fazer o que nós queremos, mas o que Deus quer. A missão também exige conversão. É urgente haver uma conversão à missão e uma conversão na missão.
A missão não existe para que Deus faça o que Lhe pedimos, mas para que nós façamos o que Deus nos pede (cf. Mc 10, 35-44). Estamos dispostos a fazer o que Deus nos pede, o que Deus quer? Uma coisa é certa. Na nossa generosidade, está a nossa felicidade. Quanto maior for a nossa generosidade, maior será a nossa felicidade!