O acontecimento de Deus nos acontecimentos dos homens. A atmosfera é sempre alimentada por uma surpreendente Theosfera.

Segunda-feira, 03 de Setembro de 2018
  1. Estamos num tempo em que fazemos muitas caminhadas. É um exercício muito saudável que faz bem ao corpo e à mente. Como os antigos já percebiam, a mente estará sã se o corpo estiver são. Com essas caminhadas, pretendemos perder peso. Nesta grande caminhada que é a vida, também deveríamos perder peso. Ainda estamos muito pesados. Ainda temos quilos a mais: não só no nosso corpo, mas também na nossa alma.

Afinal, estamos muito cheios: não apenas cheios de comida, mas cheios de nós. O egoísmo é muito pesado e, por isso, muito cansativo. A «fadiga de ser eu», de fala o sociólogo Alain Erhenberg, impede-nos de acolher a vida em toda a sua leveza e em toda a sua beleza.

 

  1. A vida está saturada de «tanto eu, tanto eu, tanto eu». Parece que só o «eu» conta, parece que só o «eu» vale, parece que só o «eu» interessa. O problema é que só nos cansamos do «eu» dos outros, não cuidando sequer de saber se os outros não estarão também cansados do nosso «eu». Quando os homens se centram no seu «eu», deixam de se sentir irmãos para passarem a sentir-se rivais, adversários e competidores.

Embora formalmente vivamos em democracia, é altamente provável que estejamos mergulhados na mais danosa das ditaduras: a ditadura do «eu». Acresce que, neste caso, estamos submetidos a muitas ditaduras: às ditaduras de muitos «eus». Cada um, além de senhor de si, julga-se senhor de todos os outros.

 

  1. Não há dúvida de que, nos tempos que correm, a mais pesada autocracia é a «egocracia». Obscurecidos os ideais e esgotadas as ideologias, resta a afirmação do «eu»: sobre os outros e — o que é mais grave — contra os outros. Enquanto o egoísmo é cada um viver em função de si mesmo, a «egocracia» é pretender que os outros vivam em função de nós próprios.

A revolução individualista entra, assim, numa segunda — e mais ameaçadora — fase. O problema já não é cada um estar voltado para si, mas exigir que os outros se submetam a si. Não é verdade que os direitos dos mais influentes, dos mais poderosos e dos mais ricos redundam em perda de direitos dos mais frágeis, dos mais desprotegidos e dos mais pobres? Enfim, temos dificuldade em coexistir. Já só saberemos colidir?

 

  1. Acontece que esta tendência advém de uma perigosa doença: a doença do «eu» como única medida de tudo e único critério para todos. No fundo, a «egocracia» é uma derivação da «egopatia». A patologia do egocentrismo desmesurado não tem uma cura fácil porque o seu diagnóstico dificilmente é aceite. Quem admite que sofre de «egopatia»? Quem está, pois, disponível para recorrer à terapia que lhe permita vencer a sua «egopatia»?

Não percebemos que a «egopatia» provoca «cegueira». O egoísmo não nos deixa ver para lá de nós. Achamos que só nós vemos, que só nós sabemos, que só nós podemos decidir e impor. Quem tem consciência de que precisa de perder «quilos» — quiçá, «toneladas» — de egoísmo?

 

  1. Se calhar, tem de nos acontecer como aconteceu a São Paulo. Diz o Livro dos Actos dos Apóstolos que, quando ele ia a caminho de Damasco e ouviu a voz de Cristo, «caiu por terra» (cf. Act 9, 3-4). Repare-se que não se diz que São Paulo tenha caído de algum cavalo, como muitos — e célebres — quadros mostram. Até é provável que ele fosse a cavalo, mas o texto não o menciona. Como nada acontece por acaso, podemos concluir que Paulo não caiu do cavalo, mas de si. Paulo caiu de si para se reerguer em Cristo.

Para renascer em Cristo, Paulo teve de cair de si. Não caiu em si, não ficou ensimesmado, em si. Paulo caiu de si para se libertar de si, do seu «eu». Nessa queda, Paulo perdeu muitos «quilos» de egoísmo que trazia consigo.

 

  1. Os santos também começaram por fazer esta «dieta». Todos eles perderam «quilos» de egoísmo no seu caminho de santificação. Era por isso que consideravam bom o que, à partida, os prejudicava. Porque, dessa maneira, como que anulavam o seu «eu» para renascerem no «eu» de Cristo. De facto, os santos compreenderam que, para vencer a «egopatia», são necessárias muitas doses de «vitamina C», de «vitamina Cristo».

É por isso que os santos, que tantas honras recebem depois da morte, aceitaram receber contínuas humilhações durante a vida. Foi assim que se especializaram na «arte» de deixar de viver centrados em si, para passarem a viver completamente centrados em Cristo. As humilhações levavam-nos a «desamarrar-se» de si mesmos. Para os santos, só Cristo contava. Eles como que se eclipsavam para que apenas Cristo reluzisse (cf. Jo 3. 30).

 

  1. A esta luz, não espanta que os santos chegassem a ficar seriamente incomodados com os elogios. Santo António Maria Claret até defendia que «os elogios dos homens atraem a condenação de Deus». Santo Hilarião golpeava o peito com os punhos e insultava o seu corpo dizendo: «Burro! Não te alimentarei com cevada, mas com palha; esgotar-te-ei de fome e sede». Em conformidade com isto, limitava-se a ingerir algumas ervas e cinco figos por dia.

São José de Cupertino costumava apresentar-se como…«Frei Burro». Só que a graça divina concedeu-lhe muita sabedoria. E o Santo Cura d’Ars, após uma reprovação, ouviu estas palavras do Reitor do Seminário: «Olha que os professores não te consideram apto para a ordenação sacerdotal. Alguns consideram-te mesmo “burro”. Como resolver esta situação?». Só que a resposta do santo mostrou que, afinal, ele era muito sábio: «Senhor Reitor, Sansão venceu mil filisteus com a queixada de um burro (cf. Jz 15, 15). Não acha que Deus pode fazer muito mais com um “burro” inteiro?»

 

  1. É claro que Deus não espera tanto de nós. Ele não exige que percamos tantos «quilos» de egoísmo. Mas é bom que percebamos que, apesar das restrições, de egoísmo ainda estamos muito cheios. A caminhada desta Novena — símbolo da caminhada da vida — pode ajudar-nos na «dieta» que temos de fazer. É fundamental que comecemos a «emagrecer», perdendo os «quilos» de egoísmo que temos a mais.

Assim sendo, em cada dia, esvaziemo-nos como Maria. Maria era «cheia de graça» (cf. Lc 1, 28) porque era vazia de si. Maria esvaziou-Se para Se encher: esvaziou-Se de Si para Se encher de Deus. Por isso é que, como referiu o teólogo von Balthasar, Maria Se tornou o «cálice do Verbo» e o primeiro «Sacrário da história».

 

  1. Este esvaziamento levou Maria a preencher-Se com Deus e com os irmãos. Descentrada de Si, Maria viveu plenamente centrada em Deus e nos irmãos. Daí que Ela tenha acolhido o plano de Deus a Seu respeito (cf. Lc 1, 38). Daí que, ao saber que Sua prima Isabel tinha engravidado, tenha ido logo visitá-la (cf. Lc 1, 39, 46). E daí também que, ao saber que nas bodas de Caná tinha faltado o vinho, tenha intercedido para que a situação se resolvesse (cf. Jo 2, 1-12).

Se Maria fosse «egocentrada», não teria aceitado ser Mãe naquelas condições. Se Maria só Se preocupasse conSigo, não teria ido, tão pressurosa, visitar Isabel. Se Maria não vivesse esvaziada de Si, não tomaria a iniciativa de ajudar os noivos de Caná quando lhes faltou o vinho. Abrindo-Se inteiramente à vontade de Deus, Maria tornou-Se completamente solícita às necessidades dos homens.

 

  1. Em cada dia, façamos então como Maria. Em cada dia, esvaziemo-nos como Maria. Como Maria, abramo-nos à vontade de Deus e às necessidades dos irmãos. Como Maria, envolvamo-nos numa efectiva — e afectiva — «pastoral da visitação». Há tantos que estão sós, mesmo aqui, ao pé de nós. Afastemo-nos do abismo para onde nos leva o egoísmo. Há muita gente consigo mesma deslumbrada que tem de ser urgentemente despertada.

Nossa Senhora dos Remédios, que tendes Jesus no Vosso regaço, envolvei-nos com o Vosso maternal abraço. Esvaziai-nos do nosso eu. Que nós aprendamos com o exemplo Teu. Que, em cada dia, nos alimentemos com a Eucaristia. Que o Teu «amor desegoízador» nos faça olhar para Teu Filho como único Senhor. Escuta, Mãe, a nossa voz e orienta para Cristo os passos de todos nós!

publicado por Theosfera às 08:00

Hoje, 03 de Setembro, é dia de S. Gregório Magno e S. Remáculo.

Um santo e abençoado dia para todos!

publicado por Theosfera às 00:00

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