A. Dar a carne é dar a vida
- O Pão de Deus — Pão vivo e Pão da Vida — pode estar além da nossa compreensão, mas não é inacessível à nossa disponibilidade. Neste sentido, o importante não é tanto compreender o seu significado. O importante é que estejamos disponíveis para nos deixamos transformar por ele.
O Pão que Jesus oferece é a «Sua carne», que Ele nos dá pela vida do mundo (cf. Jo 6, 51). A palavra «carne» designa habitualmente a realidade física do homem, na sua estrutural debilidade. Tony Blair reconheceu que «ser humano é ser frágil». Ao assumir que vai oferecer a «Sua carne» por nós, Jesus partilha da nossa fragilidade. Não paira à distância. Faz Seu o que é nosso.
- Acontece que isto não é fácil de entender. Os judeus não entendem as palavras de Jesus (cf. Jo 6, 51). Quando Jesus Se apresenta como «Pão vivo descido do céu para dar a vida ao mundo», eles entenderam que Jesus pretendia mostrar-Se como uma espécie de «mestre de sabedoria».
Só que Jesus usa o verbo «comer». Jesus convida a «comer» a Sua carne. O que significam as Suas palavras? Terão alguma conotação antropofágica? São, sem dúvida, palavras difíceis de compreender.
B. A Eucaristia ajuda a compreender o incompreensível
3. Só conseguiremos compreender o que Jesus diz em chave eucarística. A Eucaristia é a chave de toda a Teologia e de toda a vida cristã. É na Eucaristia que sabemos o que se deve saber e o que importa fazer. Todavia, os judeus não conseguem — nem querem — entender.
Mas nem assim Jesus desiste. Jesus reitera a Sua afirmação e vai até mais longe. Ele não só vai dar a «comer» a Sua carne como vai também dar de beber o Seu «sangue». Quem comer esta carne e beber deste sangue recebe a vida definitiva, a vida eterna (cf. Jo 6, 53-54).
- Esta referência ao «sangue» coloca-nos no caminho da paixão e da morte. Dizer que Jesus é «carne» é o mesmo que dizer que Ele assumiu a nossa fraqueza e até a nossa morte. Dizer que o pão que Ele há-de dar é a Sua «carne para a vida do mundo» significa que Jesus fez da Sua vida um dom, uma oferta, uma dádiva, uma entrega de amor pela humanidade. O ponto alto da entrega dessa vida é a morte, é a Cruz.
Aquela morte surge, assim, como a expressão máxima daquela vida. Na Cruz, manifesta-se, na «carne» de Jesus, o Seu amor, o Seu dom, a Sua entrega.
C. Que significa «comer» e «beber»?
5. Por conseguinte, quem quiser seguir Jesus tem de «comer» e «beber». Ou seja, tem de aderir a Jesus e tem de se transformar em Jesus. O discípulo não tem de ser outro Jesus, porque não há outro Jesus. O cristão tem de procurar ser sempre Jesus.
O que Jesus está a pedir é que os Seus discípulos reproduzam a Sua vida, o Seu amor e a Sua entrega. Quem se der como Ele terá acesso à vida eterna, a uma vida plena, a uma vida feliz. Quem está com Jesus no tempo com Jesus estará por toda a eternidade.
- A Eucaristia celebra — e actualiza — esta doação. O mesmo Jesus, que Se doou até ao fim, continua a oferecer-Se como alimento. Por isso, o discípulo, que «come» e «bebe» a Sua «carne» e o Seu «sangue», compromete-se a dar a vida como Ele deu, como Ele sempre dá.
É por isso que as Eucaristias não se somam, mas entranham-se. Muito pertinente era o saudoso D. António de Castro Xavier Monteiro quando perguntava aos cristãos: «Quantas vezes comungastes o Corpo de Cristo e quantas vezes vos transformastes no Corpo de Cristo?». Comungar Cristo tem de implicar sempre transformarmo-nos em Cristo.
D. Transformemo-nos em Cristo
7. A Eucaristia tem uma celebração sacramental e há-de ter sempre uma celebração existencial. Quando termina a Missa, tem de começar a Missão. Somos chamados a transformarmo-nos em Cristo neste mundo para ajudarmos a transformar o mundo em Cristo.
«Comer a carne» e «beber do sangue» de Jesus é ficar em comunhão íntima com Jesus. O discípulo que adere a Jesus identifica-se com Ele e torna-se um com Ele (cf. Jo 6, 56). É aqui que tem raiz o compromisso cristão. Quem «come a carne» e «bebe do sangue» de Jesus tem de se comprometer com o projecto de Jesus: dar vida ao mundo, dar a vida pelo mundo. Do «comer a carne» e do «beber o sangue» de Jesus nasce uma nova humanidade, que vence a morte e vive para sempre (cf. Jo 6, 58). A Eucaristia é, assim, uma forma singularíssima de tornar presente, na vida dos crentes, a vida e o amor de Jesus.
- É aqui que se encontra o «senso cristão», que tantas vezes desperdiçamos. O cristão não é chamado a viver segundo o senso comum. São Paulo alerta-nos para a nossa maneira de proceder e diz para não vivermos como «insensatos» (cf. Ef 5, 15). Ao apelar para sermos pessoas de senso, ele está seguramente a exortar para que vivamos segundo o senso de Cristo.
Não basta, pois, qualquer senso nem sequer o consenso. O importante é crescermos todos no senso de Cristo. É no senso de Cristo que aproveitaremos bem os próprios dias maus (cf. Ef 5, 16). Os tempos não ajudam muito, mas Cristo ajuda-nos sempre. E é particularmente nos dias maus que temos de ter uma conduta boa.
E. Embriaguemo-nos, mas não com vinho
9. São Paulo apela: «Não vos embriagueis com vinho, que leva à vida desregrada, mas deixai-vos encher do Espírito» (Ef 5, 18). Não nos embriaguemos com vinho. Embriaguemo-nos, antes, com o Espírito, que nos infunde a vida de Deus.
São Paulo faz um convite à oração, ao louvor e à acção de graças ao Senhor. Não tenhamos medo de pedir, mas também não nos esqueçamos de agradecer. A oração é importante para tudo: para pedir e para agradecer. Há tanto para pedir sem dúvida. Mas há muito mais para agradecer.
- Quando sabemos agradecer os dons de Deus estamos no caminho da sabedoria, de que nos fala a Primeira Leitura. Ela surge-nos hipostasiada sob a forma de uma dona de casa, que convida para o banquete. Não descura nada: constrói uma «casa» com «sete colunas» (Prov 9, 1), pois o número sete é o número da plenitude, da perfeição. Prepara comida com abundância e põe a mesa (cf. Prov 9, 2). Depois, envia criadas para que levem a toda a cidade o convite para participar na festa (cf. Prov 9, 3).
Quem são os destinatários do convite feito pela «senhora Sabedoria»? São os «simples», os chamados «inexperientes» e «insensatos» (cf. Prov 4-6). Não é preciso ser muito dotado para chegar a Deus. É o próprio Deus que nos dota. O importante é estar aberto. E os simples, porque estão vazios de si, costumam mostrar uma abertura maior. Sejamos sempre simples e estejamos sempre atentos. O convite de Jesus não demora a chegar!