A. Quantas vezes já não dissemos «basta»?
- Quem não se sente retratado nestes textos? Quem não se revê no desânimo de Elias? E quem já não foi alvo de murmurações como Jesus? Desânimo e murmurações são o que nos acontece, são aquilo em que mais nos vemos envolvidos.
Tantas são, pois, as vezes em que nos apetece desabafar como Elias: «Já chega!»; «Já basta!» (cf. 1Re 19, 4). Tantas são as vezes em que nos apetece deitar e adormecer com vontade de não mais acordar. Não falta até quem, à semelhança de Elias, deseje a morte, rogando a Deus que lhe tire a vida (cf. 1Re 19, 4).
- A Primeira Leitura apresenta-nos um Elias abatido, deprimido e dramaticamente solitário. Sente-se incompreendido e abandonado no meio da perseguição que se abate sobre ele. O profeta nota que falhou, que a sua missão está condenada ao fracasso e que a sua luta é inglória. Está com medo e com vontade de desistir de tudo.
Nada disto é surpresa para nós. Afinal, ser profeta é ser humano, é ser, muitas vezes, tragicamente humano. O pedido que Elias faz a Deus — que lhe dê a morte — mostra que o profeta não está tolhido na sua humanidade.
B. Quando o sofrimento está perto, Deus não está longe
- Mas tal pedido acaba por revelar também que o profeta deprimido é alguém de quem Deus está próximo. Se Deus está sempre connosco, diria que Ele faz questão de estar ainda mais perto nas horas más, nas horas de provação. De facto, é quando parece que está mais ausente que Ele está efectivamente mais presente.
Quando o sofrimento está perto, Deus não está longe. Já dizia Guerra Junqueiro que «quem fraterniza com a dor, comunga com Deus». No fundo, a Primeira Leitura não apresenta só o drama do profeta Elias. Apresenta também — e bastante — a presença de Deus junto dele.
- Deus sinaliza a Sua solicitude oferecendo a Elias «pão cozido sobre pedras quentes e uma bilha de água» (1Re 19, 6). É a certeza de que o profeta não está abandonado por Deus, mesmo quando é incompreendido e perseguido pelos homens. Isto significa que Deus está ao lado daqueles que chama. Dá-lhes alimento — e alento — para serem fiéis à missão, sobretudo em ambientes de adversidade e incerteza. Deus é a presença certa na hora incerta.
Deus não Se resigna ao desânimo. Deus reanima o desanimado.
É por isso que o profeta se levanta e caminha, durante «quarenta dias e quarenta noites até ao monte de Deus, o Horeb» (1Re 19, 8).
C. Com Deus é difícil, sem Deus é insuportável
- Esta referência aos «quarenta dias e quarenta noites» alude certamente à estadia de Moisés junto de Deus na montanha sagrada (cf. Ex 24,18). E também pode aludir ao percurso do Povo durante quarenta anos pelo deserto, até alcançar a Terra Prometida. A subida ao monte é, pois, um regresso às fontes, às origens de Israel como Povo de Deus.
Também hoje, só em Deus conseguiremos levantar-nos para continuar o caminho da vida. Com Deus, a vida continua a ser difícil. O problema é que, sem Deus, a vida torna-se, pura e simplesmente, insuportável.
- O Evangelho apresenta-nos Jesus como alimento, como alimento incomparável. Jesus não é mero pão para a vida, mas verdadeiro «Pão da vida» (Jo 6, 48). Jesus é o «Pão vivo que desceu do Céu» (Jo 6, 41. 50). Não se trata, portanto, de um pão qualquer.
Há, porém, quem não entenda e recuse e murmure. Há quem se alimente na vida, mas não queira alimentar a vida. O Evangelho anota a murmuração dos judeus a propósito das palavras de Jesus e descreve a controvérsia que se seguiu. Eles não aceitam que Jesus Se apresente como «o Pão que desceu do Céu». Eles conhecem a Sua família, a Sua terra e acham que Jesus não pode vir de Deus (cf. Jo 6, 41). Como se a terra não viesse também do Céu, como se a terra não estivesse destinada ao Céu.
D. Famintos sem fome?
- Acontece que Jesus não entra por estes atalhos da discussão. Ele não discute a Sua origem divina. O que mais O preocupa é que os Seus ouvintes olhem para Ele não como Ele é, mas como eles são. Eles sabem que não são capazes de fazer o que Jesus faz. É pena que não estejam receptivos a que Jesus faça algo neles.
No fundo, eles não se apercebem de que Deus lhes oferece Jesus como o Pão para dar vida ao mundo. O problema é que os judeus estão demasiado instalados nas suas certezas. O problema é que eles estão cercados pelas suas seguranças. O problema é que eles olham para a religião como um sistema meramente ritualista, estéril e vazio, sem implicações na vida.
- O nosso mal é que, tal como os judeus de há dois mil anos, também nós nos comportamos como famintos que nem sequer sentem fome. O Pão está à nossa beira. Não é preciso fazer qualquer despesa para ter acesso ao Pão. Basta ter vontade de ser alimentado. É pena que nos falte essa vontade. É pena que, muitas vezes, nos falte a vontade de acolher Jesus, «o Pão que desceu do Céu» (cf. Jo 6, 43-46).
O nosso mal é, tal como os judeus de há dois mil anos, não escutar Jesus. O nosso mal é estarmos muito «ego-centrados» e muito «ego-sentados». O nosso mal é estarmos instalados num esquema de orgulho e de auto-suficiência julgando que não precisamos de Deus.
E. O Pão que dá vida até para lá da morte
- É tudo isto que entristece o Espírito Santo. É isto que nos leva a não reparar na marca que Ele imprime em nós (cf. Ef 4, 30). Sucede que, como recorda São Paulo na Segunda Leitura, nós estamos marcados por Deus (cf. Ef 4, 30). É importante que essa marca se note. Quem se dispõe a aceitar Jesus como Pão vivo nunca lhe verá faltar força na vida. Não esqueçamos que Jesus é o Pão que sacia a nossa fome de vida. Nunca é demais recordar que a expressão «Eu sou» —presente em «Eu sou o Pão da vida»(Jo 6, 48) — é, na Bíblia, uma fórmula de revelação. Ela corresponde ao nome de Deus tal como aparece no Êxodo: «Eu sou aquele que sou» (Ex 3,14).
Por conseguinte, ao dizer que é o Pão da vida, Jesus manifesta a Sua divindade. Deste modo, estar com Jesus é estar com Deus. Aderir a Jesus é aderir a Deus: por isso, quem acredita em Jesus possui a vida eterna, isto é, a vida definitiva (cf. Jo 6, 47). Jesus é um pão diferente do pão antigo. Quem comeu o pão antigo, o maná, morreu (cf. Jo 6, 49). Quem come o novo Pão, que é Jesus, não morrerá. Até depois da morte, viverá.
- A vida eterna não é só uma vida sem fim; é sobretudo uma vida cheia. Vida eterna é, pois, sinónimo de vida plena. E vida plena não é acrescentar anos à vida, mas acrescentar vida em cada ano. Olhando para o exemplo de Jesus, vida plena é uma vida doada, uma vida oferecida.
Jesus anuncia que vai dar a Sua «carne» (cf. Jo 6, 51).
Não está, obviamente, a referir-se à Sua carne física. A «carne» de Jesus é a Sua pessoa, é a Sua vida. Jesus está sempre a dar-Se, está sempre a dar-Se-nos. Jesus dá-Se-nos todos os dias, em gestos de amor, de bondade, de solicitude, de misericórdia. Na Sua dádiva, Jesus mostra como Deus é bom (cf. Sal 34, 8). Aliás, estamos sempre a provar e a ver como Deus é bom. Sejamos, nós também em cada dia, o eco da infinita bondade de Deus!