A. Pouca hospitalidade no «regresso» a casa
- Hoje, acompanhamos Jesus numa visita à Sua terra. A «terra de Jesus» é Nazaré (cf. Mc 6, 1), em cuja sinagoga Jesus vai ensinar a um sábado (cf. Mc 6, 2). Trata-se de uma pequena vila da Galileia, situada a 22 km a oeste do Lago de Tiberíades.
É uma povoação tipicamente agrícola que nunca teve grande importância na história de Israel. O Antigo Testamento ignora-a completamente. Flávio Josefo e os escritores rabínicos também não lhe fazem qualquer referência. Tampouco os contemporâneos de Jesus parecem conceder-lhe alguma consideração (cf. Jo 1,46). E, no entanto, foi em Nazaré que Jesus cresceu. Lá continuava a residir a Sua família.
- Não encontrou grande hospitalidade neste regresso a Nazaré. Será que não viria de trás algum clima de animosidade? O certo é que Jesus, sendo de Nazaré, considerava Cafarnaum como a «Sua cidade» (Mt 9, 1). Era em Cafarnaum, mais do que em Nazaré, que Se sentia em casa (cf. Mc 2, 1).
Os ensinamentos de Jesus tanto impressionam os habitantes de Nazaré como os de Cafarnaum (cf. Mc 1,21-28). Acontece que, enquanto os habitantes de Cafarnaum, depois de ouvir Jesus, reconhecem a Sua autoridade, os de Nazaré optam pela contestação. Afinal, Ele «veio para o que era Seu, mas os Seus não O receberam» (Jo 1,11). E a vida continua a ensinar-nos que, muitas vezes, sentimos longe quem está perto e sentimos perto quem está longe. As distâncias mais difíceis de vencer não são as que separam os lugares, mas as que afastam as pessoas.
B. Rejeitado — e desprezado — pelos Seus
- Jesus vai à sinagoga de Nazaré e ensina (cf. Mc 6, 2). Os ouvintes eram muitos e estavam espantados (cf. Mc 6, 2). Havia um misto de admiração e inveja ou ciúme: «Donde Lhe vem tudo isto? Que sabedoria é esta que lhe foi dada? E os prodigiosos milagres que as Suas mãos realizam?
Não é Ele o carpinteiro, filho de Maria?» (Mc 6, 2-3)
Houve quem ficasse indisposto ou escandalizado com Jesus. Também Jesus passou pela rejeição e pelo desprezo. Por isso, lamentou-Se: «Um profeta só é desprezado na sua terra, entre os parentes e em sua casa» (Mc 6, 4). Trata-se de um conhecido provérbio, que Ele modifica, em parte. O original devia soar mais ou menos assim: «Nenhum profeta é respeitado no seu lugar de origem, nenhum médico faz curas entre os seus conhecidos».
- Nesta resposta, Jesus assume-Se como profeta, isto é, como um enviado de Deus, que actua em nome de Deus e que tem uma mensagem de Deus para oferecer aos homens. Os ensinamentos que Jesus propõe não vêm dos mestres judaicos, mas do próprio Deus; a vida que Ele oferece é a vida que Deus quer propor aos homens.
A recusa da proposta que Jesus traz coloca-o na linha dos grandes profetas de Israel. O Povo teve sempre dificuldade em reconhecer o Deus que vinha ao seu encontro na palavra e nos gestos proféticos. O facto de as propostas apresentadas por Jesus serem rejeitadas não invalida, porém, a Sua verdade nem a Sua procedência divina.
C. Até ao povo infiel Deus é fiel
- Jesus estava «admirado com a falta de fé daquela gente» (Mc 6, 6). Mas nem assim desiste. A vida de Jesus é um permanente balanceamento entre a rejeição e a persistência. Em vez de transformar as oportunidades em problemas, transforma os problemas em oportunidades.
Jesus não desiste, Jesus insiste, «percorrendo, a ensinar, as povoações das redondezas» (Mc 6, 6). Ou seja, Jesus deixa os centros, mas nunca deixa o que é central. Ele andou sempre pelas periferias a anunciar o que é central: a verdade sobre Deus e a verdade de Deus. É rejeitado por muitos que são Seus, mas, em contrapartida, é acolhido por tantos que decidem tornar-se Seus.
- Já o Antigo Testamento nos previne para a possibilidade da rejeição. Deus aparece a enviar um «filho de homem» (ou seja, um homem «normal») a um «povo de rebeldes» (Ez 2, 3). Trata-se de um povo de «infiéis», de «cabeça dura» e «coração obstinado» (Ez 2, 4).
Apesar disso, Deus não desiste. Deus é fiel até ao Seu povo infiel. Manda reproduzir as Suas Palavras para que todos saibam que, no meio do Povo, há um profeta (cf. Ez 2, 5).
D. Nunca recuar nem recusar
- Deus nunca cessa de enviar. Não são as dificuldades que O fazem recuar. Em nome de Deus, não podemos recuar nem recusar.
Deus não nos pedirá conta do que conseguimos, mas do que tentamos. Deus não é resultadista. Ele valoriza sobretudo o esforço, a dedicação e a persistência. Ele quer-nos ter perto, para chegar longe.
- São Paulo, como ouvimos na Segunda Leitura, também tem consciência das dificuldades que encontra e das suas limitações. Ele sabe que a missão não é obra sua, mas iniciativa de Deus. Por isso, não cede à tentação do triunfalismo.
Ele tem cuidado «para não se encher de orgulho» (2 Cor 12, 1). O orgulho pode obscurecer a virtude. De facto, há pessoas virtuosas que se tornam muito orgulhosas. O orgulho faz-lhes presumir que a virtude se deve a si e não a Deus. Daí que São Paulo tenha noção de que tudo deve a Deus, que lhe disse: «Basta-te a Minha graça, pois é na fraqueza que a Minha força actua plenamente» (2 Cor 12, 9). É, por conseguinte, nas fraquezas que Paulo põe toda a sua glória. A fraqueza é uma espécie de passaporte para a manifestação da força de Deus (cf. 2 Cor 12, 9).
E. Força, na própria fraqueza
- Não é por masoquismo que o Apóstolo sente «prazer nas fraquezas, nas afrontas, nas adversidades, nas perseguições e nas angústias» (2 Cor 12, 10). Ele está disposto a sofrer tudo isso por causa de Cristo. É por isso que o sofrer se transforma em prazer. Cristo é a força que até na fraqueza se manifesta. «Quando me sinto fraco, então é que sou forte» (2 Cor 12, 10).
Frequentemente, estamos à espera de condições favoráveis para agir. Sucede que, enquanto esperamos o óptimo, deixamos de fazer o bom. Por outro lado, também podemos criar a ilusão de que, por nós, conseguimos tudo. Julgamo-nos invencíveis. Deus não nos requer receosos nem convencidos. Ele quer que avancemos mesmo sabendo-nos fracos, porque a força é d’Ele. Ele quer que nos disponibilizemos, mas que não actuemos em nosso nome: só — e sempre — em nome d’Ele.
- O que a Liturgia deste Domingo revela é que Deus chama, continuamente, pessoas para serem testemunhas da Sua proposta de salvação. Não importa que essas pessoas sejam frágeis ou limitadas: a força de Deus revela-se precisamente — e até mais intensamente — através da fraqueza e da fragilidade desses instrumentos humanos que Deus escolhe.
A Primeira Leitura, ao apresentar a vocação de Ezequiel, torna bem claro que a iniciativa é de Deus. Também esclarece que excepcional é a missão. Os que participam na missão são pessoas normais. Daí a designação de «filho de homem».
Na Segunda Leitura, São Paulo assegura aos cristãos que Deus actua através de instrumentos débeis, finitos e limitados. Se foi assim no passado, como não há-de continuar a ser assim no presente? O importante é que não nos recusemos nem recuemos. Como terá dito Albert Einstein, «Deus não escolhe os capazes, mas capacita os escolhidos». O fundamental é que nos entreguemos a Ele, é que nos deixemos conduzir por Ele!