A. Um pastor que ama (ainda) mais as ovelhas perdidas
- Eis como Jesus Se apresenta, hoje, diante de nós: como pastor. Tão bom, belo e ousado é este pastor que arrisca deixar as 99 ovelhas que estão no rebanho para ir à procura da que está perdida (cf. Lc 15, 1-7). As «ovelhas perdidas» não são menos amadas. Se calhar, até são mais amadas. É curioso que, segundo o designado «Evangelho de Tomé», Jesus terá dito: «O Reino é semelhante a um pastor que tinha cem ovelhas. Uma delas extraviou-se e era a maior de todas. Ele deixou, então, as 99 e foi em busca daquela ovelha única até a encontrar. E, depois de a encontrar, disse-lhe: “Eu amo-te mais do que às 99”».
Não são os perdidos os mais carentes? São, sem dúvida, carentes de um amor maior, de um amor total. Jesus é justamente o pastor deste amor maior, deste amor total. Ele é o pastor que dá a vida pelas ovelhas (cf. Jo 10, 11). Ele é o oposto do «mercenário», que «abandona as ovelhas e foge» (cf. Jo 10, 12). Jesus conhece as Suas ovelhas e é conhecido por elas (cf. Jo 10, 14). Não lhes dá ordens, dá-lhes a vida, a Sua vida.
- É por isso que Jesus é «o Bom Pastor» (Jo 10, 11. 14). Ou, para ser mais preciso, o «Belo Pastor», como está no original. «Agathós» é a palavra grega que, habitualmente, se traduz por «bom». Mas o que está no texto é «kalós», que quer dizer «belo», embora também signifique «bom», «perfeito» e «verdadeiro».
Aliás, como aprendemos desde a antiguidade, o bom, o belo e o verdadeiro interagem entre si. Pelo que o bom é belo e verdadeiro, o belo é bom e verdadeiro e o verdadeiro é bom e belo. A beleza está na bondade e na verdade. A bondade está na beleza e na verdade. E a verdade está na beleza e na bondade. Dizer, portanto, que Jesus é o Belo Pastor é o mesmo que dizer que Ele é o Bom Pastor e o Verdadeiro Pastor.
B. Bom — e Belo — Pastor é este
- Jesus Cristo é o portador da beleza que, no dizer de Dostoiévsky, «salvará o mundo». E não foi por caso que o genial escritor russo apontou Jesus Cristo como o modelo do que é absolutamente belo. A absoluta beleza de Cristo está na Sua paixão, isto é, na Sua entrega, na Sua dádiva. Em suma, a beleza está mais presente quando mais parece ausente. À primeira vista, que beleza pode haver num corpo ferido? Mas foram essas feridas que nos salvaram (cf. Is 53, 5). Haverá beleza maior?
É por isso que, voltando a Dostoiévsky, «a humanidade pode viver sem ciência, pode viver sem pão, mas sem beleza não poderia viver nunca, porque não teríamos mais nada para fazer no mundo».
- Assim sendo, façamos deste mundo, como nos pediu Bento XVI, «um lugar de beleza». Não procuremos apenas paisagens belas ou quadros belos. Digamos coisas belas e façamos gestos belos.
Franz Kafka reconheceu que «quem possui a faculdade de ver a beleza, não envelhece». Hoje em dia, fazem falta gestos belos, atitudes belas, comportamentos belos. É preciso dar mais valor ao porte do que à pose. Na vida, precisamos não só de uma filosofia, mas também — e bastante — de uma filocalia. O amor da sabedoria surge sempre irmanado ao amor pela beleza.
C. Pastores como o Pastor
- É esta a herança que Jesus nos deixou. Haverá coisa mais comoventemente bela do que dar a vida? Jesus é o bom e belo Pastor que dá a vida pelas Suas ovelhas.
Compreende-se, assim, que, todos os anos, o quarto Domingo da Páscoa seja o «Domingo do Bom Pastor». Em cada ano, neste Domingo, a Liturgia propõe à nossa consideração um pedacinho do capítulo 10 do Evangelho de São João. Ele apresenta Cristo como o Pastor-modelo e, nessa medida, como modelo de todos os pastores. À semelhança do Pastor, os pastores não hão-de priorizar o seu próprio bem, mas o bem do seu rebanho.
- Neste sentido, a Primeira Leitura afirma que Jesus é o único Salvador, já que «não existe debaixo do céu outro nome, dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos» (Act 4, 12). Na Segunda Leitura, somos convidados a contemplar o amor de Deus pelo homem. Porque nos ama com um «amor admirável» (1Jo 3, 1), Deus insiste em ajudar-nos a superar a nossa debilidade e fragilidade. O objectivo de Deus é integrar-nos na Sua família tornando-nos «semelhantes» a Ele (cf. 1Jo 3, 2).
Não custa perceber, portanto, que este Domingo tenha sido escolhido para Dia Mundial de Oração pelas Vocações. Toda a vida há-de ser acolhida como resposta a uma proposta. A proposta é para que haja pastores à imagem do Bom — e Belo — Pastor. A humanidade precisa de pastores que, como Jesus, dêem a vida; que, como Jesus, acolham os que estão fora e não afastem os que estão dentro.
D. Os pastores devem ser «mergulhadores», não «alpinistas»
- Há muitos séculos, São Gregório Magno era bastante incisivo a este respeito: «Não sejamos sentinelas silenciosas, mas pastores solícitos que velam pelo rebanho de Cristo, pregando a doutrina de Deus ao grande e ao pequeno, ao rico e ao pobre». Num tempo de desencontros, precisamos de pastores que promovam reencontros.
Por aqui se vê como o pastor é mais que um gestor. Para ser testemunha no exterior tem de se deixar transformar no seu interior. Está aqui, aliás, a maior carência e, nessa medida também, a mais gritante urgência. Diz São Gregório: «É necessário que o pastor seja puro nos seus pensamentos, inatacável nas suas obras, discreto no silêncio, proveitoso nas palavras, compreensivo para com todos, que se entregue à contemplação, que seja companheiro dos bons de uma forma humilde, firme na justiça contra os vícios. Importa que a ocupação das coisas exteriores não diminua o cuidado com as interiores e que estas não o impeçam de ver as exteriores».
- É necessário, por isso, que as portas estejam abertas: não só as portas das igrejas, mas sobretudo as portas da vida. Ser pastor segundo o coração de Cristo não é ir apenas à frente. É também, como sugere o Papa Francisco, «estar disposto a caminhar no meio ou até atrás do rebanho». O pastor está à frente para conduzir, no meio para acompanhar e atrás para proteger.
A humildade não desclassifica o pastor. Pelo contrário, requalifica-o soberanamente. O pastor deve ser um mergulhador, não um alpinista. A sua preocupação deve ser mergulhar nas profundezas da existência e não «subir na vida, para ter mais poder».
E. Ser padre é ser pastor, não patrão
- Calando ou falando, a palavra do pastor nunca pode ser sobre si: nem sobre o que foi nem sobre o que fez. Na Igreja, o padre não está no centro. O padre não pode ser o protagonista. Ele é pastor, não é patrão.
O verbo que é chamado a conjugar não é o verbo «mandar», mas o verbo «servir». Os pastores não têm vida própria. Depõem a sua vida em casa. A vida das ovelhas passa a ser a vida dos pastores.
- Peçamos ao Eterno Pastor a graça de termos pastores à Sua imagem: pastores que transmitam as Suas palavras e difundam os Seus gestos. Peçamos ao Eterno Pastor a graça do bom entendimento entre pastores e ovelhas. Que os pastores nunca faltem às ovelhas com a verdade e com o amor. E que as ovelhas nunca faltem aos pastores com a oração e a comunhão.
Se ninguém estiver longe de Cristo, estaremos todos, pastores e fiéis leigos, próximos uns dos outros. Quem segue a Cristo até ao fim, a todos dirá sempre «sim»!