A. O Pão que abre os olhos
- Eis-nos perante as duas últimas aparições de Jesus no dia em que ressuscitou. Depois de ter aparecido a Maria Madalena, a «outra Maria» e (muito provavelmente) a Pedro, Jesus aparece a dois discípulos que «iam a caminho de Emaús».
O Evangelho deste Terceiro Domingo da Páscoa começa por nos apresentar o relato que esses dois discípulos fazem do encontro que tiveram com Jesus. Aquele que Se revelara como «o» caminho (cf. Jo 14, 6) aparece-lhes no caminho (cf. Lc 24, 35). Aquele que Se manifestara como o Pão da Vida (cf. Jo 6, 35) é reconhecido ao «partir do pão» (cf. Lc 24, 35).
- É assim que, desde sempre, Jesus Se dá a conhecer e Se faz reconhecer. Também hoje, é nos caminhos da vida que O encontramos. E é pelo Pão da Vida que O reconhecemos. É que o Pão da Vida existe não para encher o estômago, mas para abrir os olhos. Foi quando Jesus pronunciou a bênção sobre o pão que os olhos dos discípulos se abriram e O reconheceram (cf. Lc 24, 30-31).
É por isso que não pode haver Igreja sem Eucaristia nem cristãos sem Domingo. É para a Eucaristia que caminha a missão e é da Eucaristia que nasce a missão. A missão consiste, fundamentalmente, em ir do caminho para a mesa e em voltar da mesa para o caminho. O mesmo Jesus que nos manda para a missão (cf. Mt 28, 16-20) também nos manda partir o pão em Sua memória (cf. 1Cor 11, 24).
B. A Palavra que faz arder o coração
- Não é em vão, aliás, que o fim da Missa consiste num convite para a Missão. O «ide» do celebrante não é uma despedida, mas um envio. De resto, já o «ide» de Jesus (cf. Mc 16, 15) era um envio, não uma despedida. Ele teve o cuidado de assegurar a Sua presença no meio dos discípulos até ao fim dos tempos (cf. Mt 28, 20). O que envia está sempre no meio dos Seus enviados.
É o Pão da Vida que — hoje e sempre — nos dá força para vencer todos os obstáculos na missão de evangelizar. É este Pão que fortalece mesmo quando a energia enfraquece. É este Pão que nos faz sair ainda que as dificuldades nos tentem impedir.
- Sucede que, além do alento dado por este Pão, havia um calor que vinha do coração. Enquanto Jesus falava, o coração dos discípulos ardia: «Não nos ardia cá dentro o coração quando Ele nos falava no caminho» (Lc 24, 32)? Com o sabor do Pão e o calor do coração, como não partir para a missão? Quem tem um ânimo revigorado e um coração a arder, é capaz de qualquer dificuldade vencer.
A missão consiste, fundamentalmente, em levar o Pão e em aquecer o coração. Vivemos num tempo habitado por tanta gente faminta e por tantos corações frios. A frieza do coração é mais fria que as noites mais geladas. Não espanta, por isso, que o Papa Francisco tenha denunciado a «cardioesclerose» como a «grande doença de hoje». Trata-se da rigidez e da indiferença de vidas fechadas sobre si mesmas.
C. É preciso «incendiar» os corações
- Um «coração esclerosado» é um coração incapacitado, que não vê ou vê de modo enviesado. Um «coração esclerosado» não supera as muralhas do eu; enquista sobre si.
É por isso que, como aos discípulos de Emaús, Jesus quer fazer «arder» o nosso coração (cf. Lc 24, 32). Mas será que ainda somos «uma Igreja capaz de aquecer o coração?» É preciso incendiar não as florestas, mas os corações. Para isso, temos de aquecer o nosso coração com a Palavra de Deus e de, com a mesma Palavra de Deus, fazer arder todos os corações.
- Foi com o «coração em chamas» que os dois discípulos voltaram de Emaús para Jerusalém. Não obstante a fadiga e o adiantado da hora, ainda recobraram forças para vencer mais doze quilómetros, feitos certamente a pé. E foi também com um coração incandescente que eles e os outros discípulos viram de novo Jesus.
Esta foi a quinta — e última — aparição do Senhor no dia em que ressuscitou. Tal aparição corresponde seguramente à que São João relata no capítulo 20 do seu Evangelho (cf. Jo 20, 19-31) e que ouvimos no passado Domingo. Jesus apresenta-Se de novo no meio da comunidade com o dom da paz (cf. Lc 24, 36). Ele próprio é a Paz (cf. Ef 2, 14). Só n’Ele encontramos a Paz.
D. A Ressurreição não é um afastamento; é uma nova presença
- As sucessivas aparições mostram, antes de mais, que nem a morte impede a presença de Jesus entre os Seus discípulos. Esta, no fundo, é a vontade de Jesus: ficar sempre connosco. Não admira que, ao primeiro impacto, os discípulos não O tenham identificado. Afinal, estavam perante um corpo ressuscitado. Era o mesmo, mas estava diferente. A Ressurreição é, toda ela, um mistério de transformação.
Jesus pede aos discípulos que olhem para Ele e O toquem (cf. Lc 24, 39). Jesus é o Deus que toca e o Deus que Se deixa tocar. Hoje, podemos continuar a tocar Jesus na Sua Palavra, no Seu Pão e em cada Irmão que encontramos na missão. Não tenhamos medo de tocar Jesus. Não sejamos frios na missão. A todos levemos o calor que Jesus faz arder no nosso coração.
- Apesar de ressuscitado, Jesus não está ausente nem sequer distante, longe do mundo em que os discípulos continuam a caminhar. A Ressurreição não é um afastamento; é uma nova presença. Jesus continua, pelo tempo fora, a sentar-Se à mesa com os discípulos. Com eles continua a estabelecer laços de comunhão, partilhando os seus sonhos, as suas lutas, as suas esperanças, as suas dificuldades, os seus sofrimentos.
Naquela noite, Jesus pede «alguma coisa para comer» (Lc 24, 41). Em cada dia, é Jesus quem Se nos dá a comer. Jesus é — para todo o sempre — o nosso alento e alimento.
E. Até ao último entardecer, nenhum dia se pode perder
- É na refeição que Jesus explica o que, para os discípulos, era inexplicável. Jesus é o cumprimento de quanto estava prometido. Na Sua vida está inscrito o que nas Escrituras aparecia escrito. O que falta, então? Falta que continuemos a pregar, em nome de Jesus, «o arrependimento e o perdão dos pecados a todas as nações» (Lc 24, 47).
E é assim que, após a Ressurreição, Jesus retoma o que havia dito no início da Sua missão: «Convertei-vos e acreditai no Evangelho» (Mc 1, 15). Eis o núcleo da missão: o apelo à conversão, à mudança, à transformação.
- Os primeiros discípulos foram testemunhas de tudo isto (cf. Lc 24, 48). Nós somos convidados a ser testemunhas de tudo isto. É pelo testemunho cristão que Jesus continuará a fazer arder cada coração. Assim sendo, só no fim é que poderemos descansar.
A este propósito e como refere D. António Couto, refira-se que, em Emaús, há uma igreja com um belo e significativo poema, que reza assim: «Todos os dias/ Te encontramos/ no caminho./ Mas muitos reconhecer-Te-ão/ apenas/ quando/ repartires connosco/ o Teu pão./ Quem sabe?/ Talvez/ no último entardecer». Vamos, então, partir em missão. Nenhum dia se pode perder até que chegue esse «último entardecer»!