A. Em casa, nos caminhos e até junto ao sepulcro
- A primeira visita pascal não foi feita por homens transportando a Cruz. A primeira visita pascal foi feita pelo próprio Jesus que morreu na Cruz. E são cinco as «visitas» que Jesus faz no próprio dia em que ressuscitou. Estas «visitas pascais» de Jesus ocorrem em casa, nos caminhos e até junto ao sepulcro.
O Evangelho de hoje apresenta-nos a visita que Jesus fez aos discípulos em Jerusalém, na tarde do dia da Ressurreição (cf. Jo 20, 1). Este não foi, porém, o único — nem sequer o primeiro — encontro que Jesus teve com os Seus discípulos. Nessa mesma tarde, antes deste encontro, veio ter com outros dois discípulos que iam «a caminho de uma aldeia chamada Emaús» (cf. Lc 24, 13).
- Estes, apesar do cansaço e do adiantado da hora, vão fazer mais doze quilómetros — certamente a pé — e regressam a Jerusalém para contar aos companheiros o sucedido (cf. Lc 24, 35).
Pela reacção, ficamos a saber que Jesus já tinha aparecido a Pedro: «Na verdade, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão» (Lc 24, 34). É precisamente enquanto os discípulos conversavam que se dá a aparição de que fala São João no Evangelho deste dia (cf. Lc 24, 36-40).
B. Quem foi a primeira pessoa a ser visitada pelo Ressuscitado?
- Mas as aparições do Ressuscitado não se ficaram por estas três. Antes, houve provavelmente mais duas (quase de certeza) pela manhã. São Mateus fala de uma aparição de Jesus a Maria Madalena e a «outra Maria» quando, depois de terem estado no sepulcro, iam a correr para dar aos discípulos a notícia da Ressurreição (cf. Mt 28, 9-10).
São Marcos, por sua vez, indica que Jesus apareceu primeiramente a Maria Madalena (cf. Mc 16, 9), apesar de referir que ela tinha ido ao sepulcro na companhia de Maria, mãe de Tiago, e de Salomé (cf. Mc 16, 1).
- E o certo é que a primeira aparição que João relata é justamente a Maria Madalena junto ao sepulcro (cf. Jo 20, 11-17).
De tudo isto é pertinente extrair dois dados importantes: 1) das doze aparições do Ressuscitado, cinco aconteceram logo no dia da Ressurreição e 2) as duas primeiras destas cinco aparições tiveram como destinatários mulheres.
C. A «hora das discípulas»
- Salta, portanto, à vista que as mulheres assumiram uma posição singular, muito distinta de muitos homens, neste momento decisivo. Se repararmos, os Evangelhos não mencionam uma única mulher que tivesse aprovado a condenação de Jesus. Até a mulher de Pilatos tentou evitar a Sua morte (cf. Mt 27, 19).
Junto à Cruz de Jesus, tirando os soldados, só um discípulo se manteve até ao fim: o Discípulo Amado (cf. Jo 19, 26). De resto, apenas mulheres ali permaneceram: Maria, Mãe de Jesus, e mais três mulheres (cf. Jo 19, 25; Mc 15, 40; Mt 27, 56). Ao funeral de Jesus, feito por José de Arimateia e Nicodemos (cf. Jo 19, 38-42), só compareceram mulheres (cf. Mc 15, 47; Mt 27, 61; Lc 23, 55).
- Enquanto os discípulos se recolhem e encolhem, com medo de retaliações, as discípulas avançam sem medo. Ao regressarem do funeral, vão preparar aromas e perfumes já com a ideia de voltarem ao sepulcro (cf. Lc 23, 56).
E assim fizeram, pelo que esta se tornou a «hora das discípulas», mais que dos discípulos. Não espanta, por isso, que as notícias em primeira mão da manhã da Ressurreição tenham sido dadas pelas discípulas. Foi, desde logo, uma discípula a dar a dois discípulos a notícia de que teriam levado o corpo de Jesus (cf. Jo 20, 2). E foram as discípulas a dar aos discípulos a notícia de que, afinal, Jesus tinha ressuscitado (cf. Mt 28, 7-8).
D. Em louvor das «miróforas»
- Quando receberam o alerta de que teriam levado o corpo de Jesus, os dois discípulos avisados venceram por instantes o medo e foram ao sepulcro. Registaram o que se estava a passar e voltaram para casa (cf. Jo 20, 10). Só uma discípula (Maria Madalena) permaneceu (cf. Jo 20, 11).
Por tal motivo, é lícito concluir, como fez a Tradição, que as mulheres foram as «apóstolas dos apóstolos», aquelas que deram aos apóstolos a maior — e a mais bela — notícia. E o certo é que, ainda hoje, o Evangelho da Vigília Pascal começa com a referência às mulheres e ao seu papel na divulgação da Ressurreição.
- Na Liturgia Ortodoxa, elas são comemoradas no segundo Domingo da Páscoa. Recebem o nome de «miróforas», que significa «aquelas que transportam aromas ou perfumes». Fazem-lhes homenagens com orações e cânticos próprios. Elas são elogiadas pela sua coragem, pelo seu destemor e sobretudo pelo seu amor. É claro que elas ainda pensaram nas dificuldades que iriam encontrar: «Quem nos irá tirar a pedra da entrada do sepulcro?» (Mc 16, 3). Mas nem isso as demoveu. O importante era reencontrar o corpo do Senhor que amavam. Não é o amor mais forte que a morte (cf. Ct 8, 7)?
A Liturgia Ortodoxa elabora uma figuração da cena: «Ao amanhecer, as “miróforas”, tomando consigo os aromas, foram ao sepulcro do Senhor e, notando coisas que não esperavam, pasmas ao ver a pedra removida, diziam: “Onde estão os lacres do túmulo? Onde estão os guardas que Pilatos enviou?” Mas os seus temores cessaram ao ver o anjo dirigir-se a elas: “Porque procurais em pranto Aquele que está vivo? Cristo ressurgiu dos mortos”. Então, as santas mulheres derramaram óleos perfumados e lágrimas no sepulcro e a sua boca encheu-se de júbilo ao proclamar: “O Senhor ressuscitou!”». Outro hino bizantino resume o que aconteceu: «Às piedosas “miróforas” o Anjo disse: “Os aromas são para aos mortos! Cristo, porém, está vivo”».
E. Melhor do que «ver para crer» é «crer para ver»
- E, de facto, elas anunciaram que Jesus estava vivo. Só que não foram muito bem sucedidas no seu anúncio. Marcos diz que Madalena foi levar a Boa Nova da Ressurreição aos discípulos, que estavam em luto e em pranto (cf. Mc 16, 10). Mas eles não acreditaram (cf. Mc 16, 11). Lucas, por sua vez, anota que o anúncio das mulheres parecia um desvario, pelo que os discípulos não acreditaram nelas (cf. Lc 24, 11). Eles só passaram a acreditar quando Jesus apareceu a Pedro (cf. Lc 24, 34).
Haveria aqui alguma ponta de rivalidade ou — quem sabe — de misoginia? Marcos declara que os discípulos não acreditaram que Jesus fosse visto por Madalena (cf. Mc 16, 11). É por isso que Tomé não foi o único a ser afogado pelas dúvidas. Os outros discípulos também se mostraram cépticos antes de saberem da aparição de Pedro e de serem, também eles, visitados por Jesus.
- Deixemo-nos, pois, visitar sempre por Jesus. Ele bate à nossa porta e chama por nós (cf. Ap 3, 20). Jesus, que não desiste de Tomé, também não desiste de nós. Como fez a Tomé, também hoje vem ao nosso encontro, também hoje Se deixa tocar por nós. Também hoje nos convida a meter a nossa mão no Seu lado (cf. Jo 20, 27).
Digamos a todos o que os discípulos disseram a Tomé: «Vimos o Senhor» (Jo 20, 25). E que felizes nós somos porque vemos o Senhor! Vemo-Lo — estamos sempre a vê-Lo — na fé. Por conseguinte, melhor do que «ver para crer» é «crer para ver». Feliz não é quem crê porque vê. Feliz é quem vê porque crê. Nós não acreditamos porque vemos. Nós vemos porque acreditamos. Na fé conseguimos ver até o invisível. Em vez de «ver para crer», habituemo-nos, então, a «crer para ver». Quem acreditar nunca deixará de encontrar. São os «óculos da fé» que nos guiarão pelas estradas do mundo. São os «óculos da fé» que nos iluminarão com um amor sempre mais profundo!