A. Longe de Jesus, nunca estaremos perto de Deus
- Afinal, que sabemos sobre Deus? Até saberemos muito do que o homem diz sobre Deus. Mas entre o que homem diz sobre Deus e o próprio vai uma grande distância. É importante não esquecer que, como alerta São João, só o Filho de Deus permite chegar ao conhecimento de Deus (cf. Jo 1, 18). Pelo que longe de Jesus, não estaremos nunca perto de Deus.
Longe de Jesus, colocamo-nos a nós como medida e erigimo-nos a nós como critério. Longe de Jesus, até poderemos pensar (ainda que não o digamos) que Deus nem sempre é justo. É que, embora nos queixemos da nossa justiça (apelidando-a de injusta), é com ela que olhamos para tudo e para todos. Até para Deus.
- Neste pedaço do Evangelho, tendemos a achar que, no Reino de Deus, não há muita justiça. Preceituando a nossa justiça «salário igual para trabalho igual», espanta-nos como é que Deus parece defender um salário igual para trabalho desigual. Como é possível que os últimos sejam os primeiros e que os primeiros sejam os últimos (cf. Mt 20, 16)? Como explicar que aqueles que trabalharam menos recebam tanto como aqueles que trabalharam mais e que, ainda por cima, sejam os primeiros a ser pagos?
Foi um denário que o dono da vinha ajustou com os trabalhadores da primeira hora. Como entender que os trabalhadores da última hora tenham também recebido essa quantia? Começar a trabalhar às cinco da tarde não é o mesmo que começar «muito cedo». Custa mais trabalhar mais. A mais trabalho não deveria corresponder mais dinheiro?
B. É preciso ir para que muitos possam vir
3. Curiosamente, a palavra «dinheiro» vem da palavra «denário» («denarius» em latim). O denário era uma moeda romana de prata que circulava no tempo de Jesus. Era, habitualmente, o salário de um dia de trabalho e o valor a pagar de oito quilos de pão.
É interessante notar que não foram os trabalhadores que se ofereceram para trabalhar. O dono da vinha é que veio chamar os trabalhadores. A iniciativa é dele, do dono da vinha. Deus é como o dono desta vinha que vem chamar trabalhadores. E vem por várias vezes. Não vem duas, vem três, não vem quatro vezes. Deus é como o dono desta vinha que vem por cinco vezes: manhã cedo, às nove horas, ao meio-dia, às três da tarde e pelas cinco horas. Deus é assim: insistente, perseverante.
- Na Igreja, não podemos ficar à espera de que as pessoas venham. Não podemos ficar à espera de que os pais venham oferecer os filhos para a vida sacerdotal ou para a vida religiosa. Não foi por acaso — nada é por acaso — que Jesus Se despediu de nós com o «ide por todo o mundo» (Mc 16, 15). O «ide» é o verbo da missão.
É preciso ir para que muitos possam vir. É preciso sair para que todos possam entrar. É preciso sair e não apenas uma vez. É preciso sair sempre. Uma Igreja que se aquieta não inquieta nem desperta. É urgente, pois, acordar do torpor em que, muitas vezes, nos deixamos arrastar. Nós não somos chamados a acomodar-nos ao mundo, mas a incomodar o mundo. Só ajudamos o mundo, incomodando quem está no mundo; não acomodando-nos a quem vive no mundo.
C. É com os últimos que Deus mais Se preocupa
5. O mais intrigante, para a nossa mentalidade mercantilista, é a hora do pagamento. Os primeiros a ser pagos foram os da última hora. É natural (não sobrenatural) que os da primeira hora pensassem que iriam receber mais. Só que este pagamento é imagem do dom. A hora do pagamento é imagem da «hora da graça».
No Reino de Deus, tudo é dádiva, tudo é dom. Os últimos são os primeiros porque é com os últimos que Deus mais Se preocupa. Não é com o pastor que deixa as 99 ovelhas que estão seguras, para ir ao encontro da ovelha perdida, que o Filho de Deus Se identifica (cf. Lc 15, 4-6). Os primeiros são os últimos porque já estão dentro. Os primeiros não são prejudicados quando os últimos são beneficiados. O que salta à vista é que Jesus trata os últimos como trata os primeiros. Jesus faz dos últimos (também) primeiros.
- Como bem explicitou São João Paulo II, o que singulariza a justiça de Deus é que dela também faz parte a misericórdia. Deus enche a justiça com a bondade. É por isso que Deus vai mais além da justiça. Deus dá a quem merece e não nega a quem não merece. Não terá chegado a hora de imitar a justiça de Deus?
Não exijamos que Deus seja como nós. Procuremos nós ser como Deus: magnânimos, bondosos, compassivos. É assim que seremos justos. É assim que não abandonaremos ninguém. É assim que os da «última hora» também terão a sua oportunidade.
D. Justiça é fazer o bem até àquele que faz o mal
7. Segundo Deus, a justiça não consiste em fazer o mal a quem fez o mal. Segundo Deus, a justiça consiste em fazer o bem até àquele que faz o mal. Por conseguinte, justo é aquele que até é capaz de ir mais além da justiça. A justiça segundo Deus não dá só o que é merecido. A justiça segundo Deus é capaz de dar até o que é imerecido.
Trata-se, pois, de uma justiça que pode chegar ao ponto de parecer injusta. A justiça divina, ao contrário do que pensamos, não é meramente proporcional. Ele não dá muito a quem faz muito e não dá pouco a quem faz pouco. Deus dá tudo a todos. Deus dá-Se todo a todos.
- É por isso que a justiça, além de ser conquistada como um direito, tem de ser pedida como um dom. Temos de pedir a Deus que nos dê um coração justo e uma vida justa. Mas esse não é o problema. Deus está sempre pronto para todas as dádivas, assim nós estejamos disponíveis para as receber.
Procuremos, então, o Senhor, como nos recomenda o profeta: «Procurai o Senhor» (Is 55, 6). Sabemos que «o Senhor está próximo de quantos O invocam» (Sal 144, 18). Ele está sempre próximo com a Sua presença e com a Sua justiça, já que «o Senhor é justo em todos os Seus caminhos» (Sal 144, 17).
E. Só atrai para Cristo quem procura viver como Cristo
9. Os primeiros cristãos não ambicionavam obter lucro para cada um, mas satisfazer as necessidades de todos. Importante não era que alguns acumulassem muito, mas que todos dispusessem do essencial. Num tempo em que muitos chamam seu ao que é comum, seria bom que cada um se dispusesse a considerar comum o que é seu.
Temos de perceber que o que nos pertence não nos pertence só a nós; pertence também aos outros. Se o conseguimos com o nosso trabalho, saibamos reparti-lo com o nosso amor. Afinal, Jesus sentenciou que «há mais felicidade em dar do que em receber» (Act 20, 35). A felicidade está mais na dádiva do que na posse. Somos felizes quando multiplicamos o que nos foi dado, dividindo-o pelos outros.
- Deus começa a vir desde muito cedo ao nosso encontro. Os vários momentos do dia simbolizam as várias etapas da vida. Em cada instante, Deus vem convidar-nos para a Sua vinha (cf. Mt 20, 7). Deus nunca começa a desistir e nunca desiste de começar. O doador é também o dom. É Deus que Se dá. E dá-Se por igual porque Deus não pode dar-Se menos que todo. Deus não Se parte quando Se reparte. Deus não encolhe quando escolhe dar-Se.
Só pela bondade viveremos de uma «maneira digna do Evangelho de Cristo», como nos pede S. Paulo na Segunda Leitura (cf. Fil 1, 27). E um cristão deve saber que, para ele, «viver é Cristo» (Fil 1, 21). Não sejamos rancorosos por Deus ser bom. Sejamos bons porque Deus é bom. Nunca esqueçamos isto: só atrai para Cristo quem procura viver como Cristo. Vivamos sempre como Cristo!